A educação não é um ente isolado na sociedade. Esta
não pode ser compreendida fora do contexto histórico-social
concreto. Embora em nossa sociedade, os sistemas de ensino tenham
sido concebidos para reproduzir a ordem social dominante, seus
valores, “visão de mundo” e ideologia, o processo de
constituição da Universidade é um processo contraditório que
permite a abertura de brechas em favor da disputa por alternativas
educacionais significativamente diferentes e emancipadoras. Disputa
essa que está diretamente ligada à disputa mais geral de hegemonia
da sociedade.
Desta forma, defendemos a educação como um direito
universal, pois estamos entre aqueles que entendem que o acesso ao
conhecimento e à formação intelectual é condição fundamental
para o desenvolvimento social e a elevação do nível de consciência
dos povos. A educação, assim, é um bem público que não pode
constituir-se enquanto privilégio de uma minoria e deve ser
garantido pelo Estado com recursos públicos, condição para a
manutenção de seu caráter laico, bem como da liberdade e autonomia
pedagógica e científica necessárias a seu exercício.
Portanto, cabe ao movimento estudantil em seus espaços
de atuação, aliando-se aos demais movimentos sociais da classe
trabalhadora, aprofundar a luta por uma
educação multiconceitual,
contra-hegemônica e
libertadora, que caminhe na contramão
da lógica do capital. Uma educação que
visa a elevação da consciência política de estudantes e
educadores como resultado da sua inserção crítica na realidade
tornando-se ferramenta de libertação dos trabalhadores e setores
populares, em que o processo de aprendizagem se torne consciente, e
não alienado, sendo assim uma das forças
capazes de contribuir na luta pela construção
de uma nova sociedade, livre de toda a opressão e exploração.
Educação brasileira nas últimas décadas
Durante os anos 90, na consolidação do regime
neoliberal, tivemos um cenário de fortalecimento do ensino privado e
desmonte do ensino público. No governo de Fernando Henrique Cardoso
foram implementadas medidas como o corte de verbas para as
Universidades Federais, a extinção de cargos do funcionalismo
público e a proliferação das terceirizações e das fundações
privadas ditas “de apoio”. Este contexto gerou uma forte
resistência e unidade no movimento educacional, que protagonizou
muitas lutas e greves, garantindo que a educação pública não
fosse privatizada e permanecesse gratuita.
Na última década vimos uma mudança neste cenário.
Com o advento dos governos Lula e Dilma, uma série de políticas
educacionais no ensino superior inverteram a antiga lógica. O
Governo aumentou investimento no ensino público, com programas como
o REUNI, que possibilitaram a expansão das Universidades Federais.
Com sua implementação foram criadas 14 novas Universidades e mais
de 180 novos campis. Tivemos um aumento significativo do orçamento
das Universidades Federais, que passou de R$ 9 bilhões em 2002 para
mais de 20 bilhões nos últimos anos.
Quanto ao setor privado, este também viveu uma grande
expansão, inclusive superior ao setor público, devido, sobretudo, a
não regulamentação e se beneficiou dos investimentos do governo na
educação, através do PROUNI e do FIES, de modo que nunca antes
houve tantas Universidades, Faculdades e cursos EAD espalhados pelo
país cobrando para oferecer o que tratam como seu produto, sua
mercadoria. Essa concessão à iniciativa privada não foi
acompanhada pela sua regulamentação. Acreditamos que, num cenário
em que muitas instituições particulares são virtualmente
dependentes do PROUNI e FIES para se manter, o Estado pode e deve
utilizar esse instrumento de pressão para regulamentar o ensino
privado, garantindo os direitos d@s estudantes, inclusive a livre
organização, e as contrapartidas da instituição.
As mudanças da última década concentraram-se em
minimizar a primeira grande barreira: o acesso. No entanto essa
expansão se deu nos moldes conservadores, visto que o governo não
alterou a estrutura antidemocrática que organiza e gerencia o Ensino
Superior no país. O cenário atual tem demonstrado as contradições,
assim como limites e potencialidades, desta política de expansão.
Cabe também ressaltar que nas universidades federais,
metade das obras não foram concluídas a tempo e muitos dos
professores ainda não foram contratados. É importante ressaltar
ainda que muitos cursos foram criados sem demanda social, numa lógica
de cumprir estatísticas, metas e apenas gerar bons relatórios
quantitativos, mostrando as falhas de construir um processo de cima
para baixo sem modificar a estrutura conservadora da Universidade
brasileira.
Já nas Instituições de Ensino Superior Privadas a
lógica dominante é a do financiamento destas com enormes aportes de
recursos públicos diretos ou isenções fiscais, sem discutir a
contrapartida que diz respeito ao modelo político pedagógico, o
tripé ensino, pesquisa e extensão, as políticas de permanência e
a democracia interna das instituições.
Um grande limite é a questão da permanência. O
financiamento reduzido do Plano Nacional de Assistência Estudantil
(PNAES), de somente 600 milhões, não dá conta dos desafios
trazidos pela expansão do ensino superior, que com a mudança na
forma de acesso por meio do novo Enem e com as ações afirmativas,
como a lei de cotas, tem mudado o perfil dos estudantes
universitários. Estas políticas ampliaram a oportunidade de acesso
a setores historicamente excluídos do meio universitário, porém
não deram conta de garantir condições necessárias de permanência.
Boa parte das instituições ainda não supriram as demandas básicas
de moradia e alimentação, de transporte, acesso à creche, saúde,
quem dirá de acesso à cultura, ao apoio pedagógico e entre demais
ações de equiparação de condições sociais, incluindo a questão
da acessibilidade, que constitui uma barreira grave ao acesso das
pessoas com deficiência física à universidade.
Para solucionar essa questão é fundamental a
destinação de 10% do PIB para a educação pública e a ampliação
dos recursos para a assistência estudantil para, no mínimo, de 2,5
bilhões. Nas universidades estaduais, a situação também é grave,
visto que muitas delas tem um orçamento muito reduzido. Nesse
sentido, o investimento federal nas universidades estaduais pode ser
uma saída interessante para o subfinanciamento do ensino público
estadual.
Além disso, é necessário ampliar o conceito de ações
afirmativas implementado nas universidades. As universidades, em
geral, compreendem as ações afirmativas apenas como as cotas de
acesso. Assim, a Lei de Cotas é uma vitória histórica, e é
necessário, por conta dela, elevar o debate para outro patamar, que
inclua mudanças curriculares, programas afirmativos de assistência
estudantil, voltados especificamente para os segmentos historicamente
excluídos. Só assim a grande transformação que as cotas promovem
no corpo discente poderão atingir em cheio a universidade, mudando
sua concepção, o corpo docente e outros diversos aspectos nos quais
ela ainda é exclusivista.
Em que pese o investimento ser essencial para a garantia
da ampliação e infraestrutura e qualidade de ensino, as limitações
deste processo vão para além dos recursos e esbarram em uma gestão
arcaica e altamente centralizada. Nós, estudantes que vivenciamos
cotidianamente a universidade e suas problemáticas, deveríamos ter
peso igualitário nos espaços de decisão da universidade, como
conselhos superiores e colegiados de curso. Cabe frisar também que a
ausência de recursos explica muita coisa, mas não o ensino
bancário, eurocêntrico, machista, homofóbico, distanciado da
realidade. Ou seja, não explica nossos modelos curriculares que
apontam para este modelo de educação posto. Este é um dos grandes
desafios do próximos períodos: avançarmos na construção de uma
nova concepção de educação através da transformação
curricular. Compreendendo a necessidade da construção de
conhecimento através do intercâmbio entre a academia e a sociedade,
por meio da extensão.
O movimento estudantil brasileiro não pode assistir
sentado às mudanças educacionais do país. Tampouco deve ter uma
postura meramente reativa, emitindo apenas opiniões acerca das
políticas do governo, mas sem capacidade de propor e pautar as
transformações. Temos o papel de lutar para que o ensino público
seja maioria no nosso país. Porém somente aumentar os números de
matrículas nas Universidades Públicas que são arcaicas e
conservadoras não basta, é necessária uma expansão com qualidade
e inclusiva. Isto se torna possível se esta vier acompanhada de uma
verdadeira reforma universitária, protagonizada pelos estudantes que
mexa nas estruturas de nossa Universidade e a torne realmente
pública, democrática e popular.
Reforma universitária
No último CONEB aprovamos uma resolução de Reforma
Universitária e no 12º CONEB em Salvador aprovamos a proposta de
Reforma Universitária da UNE.
Ocorre, porém, que os estudantes brasileiros não conhecem esta
proposta, uma vez que foi elaborada por poucas mãos e não foi alvo
de discussões nas universidades. A elaboração do projeto de
reforma universitária da UNE foi um gesto político importante do
movimento estudantil. Entretanto, mesmo sendo resultado de uma
postura menos pautada pela agenda do governo federal para a educação,
o projeto ainda deve ser melhor debatido e
atualizado pelos fóruns do movimento.
Defendemos uma Reforma Universitária que contemple um
projeto de universidade pública, estatal, laica e gratuita, uma vez
que a educação é um direito social de toda a população, devendo
ser garantida através de investimentos públicos. Defendemos que a
universidade cumpra a sua função social, contribuindo com a
superação das desigualdades sociais e não mais a sua reprodução.
Propomos a superação do método pedagógico tradicional, bancário,
mercadológico e autoritário, onde o professor assume um papel de
sujeito inquestionável da reprodução do saber, detentor de todo
conhecimento, enquanto as e os estudantes são tratadas/os como
jarras vazias; a revisão dos mecanismos de avaliação que não
permitem uma reflexão crítica acerca do conhecimento produzido; do
academicismo pautado pela lógica da produtividade e descomprometido
com práticas transformadoras; da formação profissional pautada
por demandas do mercado e não pelas demandas sociais;
As instituições de ensino devem ser co-governadas
democraticamente por todas as categorias da comunidade acadêmica,
uma vez que a realidade da universidade diz respeito aos sujeitos que
a constroem.
Por isso aprovamos:
- 10 % do PIB para a educação pública;
- 100 % dos royalties para a educação pública;
- 2,5 bi para a assistência estudantil;
- Revisão dos critérios para concessão de bolsas
adotados pela Lei 12.711/12 que trata do Programa de Bolsa
Permanência para Estudantes Cotistas;
- Por no mínimo 15% do Orçamento da IES para
Assistência Estudantil;
- Recursos de assistência estudantil para estudantes
prounistas e do FIES;
- Bolsa permanência para todos prounistas;
- Ampliação dos cursos Noturnos;
- Autonomia financeira para as Universidades Estaduais;
- Paridade nos conselhos superiores, nas eleições e na
gestão das universidades;
- Regulamentar o ensino privado em todos os níveis
educacionais, limitando a participação de capital estrangeiro na
educação, retomando os marcos da educação como direito e não
como mercadoria, garantindo fiscalização efetiva para evitar
abusos”;
- Pela não aprovação da fusão da Kroton e
Anhanguera;
- Curricularização da extensão universitária e
valorização da comunicação da universidade com os movimentos
populares;
- Avaliação dos professores pelos estudantes;
- Pelo fim da privatização, contra EBSERH, Hospitais
universitários 100% SUS!;
- Remuneração dos estágios obrigatórios dos cursos
da saúde;
- Caráter vinculativo das CONAE’s;
- Pela redefinição dos métodos de
ensino – abaixo a pedagogia tradicional!;
- Reformas curriculares que transformem a formação
profissional rumo à compreensão da realidade social;
-
Pela indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão,
socialmente referenciados;
-
Pela revogação da Lei de Inovação Tecnológica e das PPP;
- Pelo Fim das Fundações Privadas ditas “de apoio”.
Controle Público Já!
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