O
mundo que vivemos
Para
traçar ações políticas que mudem a realidade é necessária uma
análise do contexto em que estamos. A conjuntura mundial da segunda
década do século XXI já aponta elementos importantes para a
reflexão, principalmente com a crise do capitalismo que se desdobra
sem resolução desde 2008 e que já tem distúrbios políticos ao
redor do mundo como consequência. Essa crise já vem sendo apontada
como uma crise estrutural e cabe aos movimentos sociais e à esquerda
uma postura proativa e propositiva, que consiga apresentar uma
resolução anticapitalista para a encruzilhada onde o capital pôs a
humanidade, sob pena de, caso não o faça, ver mais uma adaptação
do capitalismo.
Na
América Latina, também há sinais de mudança, alguns preocupantes,
no cenário político, econômico e social. O mais preocupante é o
freio repentino que sofreu a ascensão das esquerdas latinoamericanas
aos governos de seus respectivos países. Se, nos dez anos anteriores
o que se viu foi uma onda de vitórias eleitorais da esquerda, agora,
ela sofre derrotas pelo voto – como no Chile – ou pela força –
como em Honduras e Paraguai. Mesmo onde ela ainda permanece no
governo, como na Venezuela e na Argentina, nota-se um endurecimento
(fortalecimento)
das forças conservadoras, que vendem (cobram) muito caro suas
derrotas eleitorais.
Como
vemos os 10 anos de governo liderados pelo PT
Tendo
em vista esses elementos externos, é possível se debruçar com mais
cuidado na situação nacional brasileira. Há dez anos com um
governo liderado por um partido de esquerda, mas com um grande arco
que agrega desde setores que representam interesses populares até
representantes dos interesses do grande capital nacional e
internacional, o Brasil vive mudanças significativas em uma série
de áreas.
Sem
medo de errar, pode-se afirmar que muitas dessas mudanças tem sido
positivas. Ocorreram melhoras significativas nas condições
materiais e na vida cotidiana da população brasileira, sobretudo da
classe trabalhadora: a entrada de estudantes de escolas públicas,
negr@s e/ou pobres nas universidades é bem maior, inclusive na rede
pública, e a ampliação da renda d@s trabalhador@s resultou numa
relativa redução da desigualdade social.
Nesses
dez anos, o Brasil passou a agir, nas relações internacionais, a
partir de outro patamar. Norteado por projetos estratégicos de
integração com a América Latina, a África e parte da Ásia,
enfatizando a cooperação sul-sul e protagonizando a construção de
blocos de países emergentes,
com quem o Brasil pouco se relacionava
antes. Há, também, um avanço digno de nota no acesso a alguns
serviços públicos e na elaboração de políticas estratégicas
para o desenvolvimento econômico, como nas áreas de energia e
infraestrutura.
Por
outro lado, também é impossível deixar de notar as novas
contradições geradas por essas circunstâncias, bem como as antigas
que não foram enfrentadas. Avaliamos que recuos frente a
transformações estruturais da sociedade abre margem para a retomada
da organização e influência de setores conservadores mais
tradicionais, e outros na base aliada do governo. Podemos ver essa
tendência na retomada de agendas de privatização, que vão na
contramão do que conquistamos nos últimos anos.
Salta
aos olhos a ausência de qualquer reforma estruturante na agenda da
política brasileira; nada se avança na reforma política ou das
comunicações. Sobretudo, o fato das prioridades muitas vezes
contemplarem interesses econômicos de grandes empresas em detrimento
da demanda de movimentos populares, como é o caso da reforma
agrária, com a prevalência do modelo do agronegócio sobre o da
agricultura familiar e da política financeira, em que o compromisso
com o pagamento do superávit primário vai na contramão das reais
necessidades da população e agrada o capital internacional.
Um
novo ciclo de lutas sociais
São
preocupantes os limites e políticas apresentados pela ala
conservadora, dentro e fora dos governos. A expressão crescente de
opiniões conservadoras e, muitas vezes, violenta sobre uma série de
temas tem pautado a cena política brasileira de diversas formas,
polarizando com as opiniões mais progressistas e, muitas vezes, se
sobressaindo em relação a estas. E, embora seja necessário
reconhecer a radicalização conservadora da direita, não se pode
entrar numa defensiva ideológica frente a ela; é o caso de,
justamente, defender e efetivar as pautas políticas progressistas,
disputando as consciências da população, para corroer a base de
apoio da opinião conservadora, como aconteceu a partir da
implementação das cotas, que, dez anos depois, passaram a ter ampla
aprovação da população que, antes, a rejeitava.
Para
avançar em relação ao que já está posto, superar as contradições
das quais o Estado e governos brasileiros tem fugido e dar conta das
novas contradições geradas pelas políticas aplicadas nos últimos
dez anos é fundamental reafirmar a importância de fortalecer
movimentos sociais na defesa incondicional de suas pautas e propostas
políticas, bem como a atualização das mesmas, que contribuam nesse
sentido.
Nesse
sentido, é importante que a UNE defenda a criminalização da
homofobia, para além de condenar as declarações absurdas do
deputado Marco Feliciano (PSC-SP), como forma de enfrentar a
crescente violência homofóbica. A forte reação ao deputado
evangélico permitem trazer para o centro do debate a necessidade de
reafirmar o caráter laico do Estado brasileiro.
Também,
que consiga pautar o combate à violência contra a mulher, seja ela
física, sexual, moral, psicológica ou patrimonial. A garantia dos
direitos das mulheres no âmbito do trabalho, da política e da
família (espaço privado) não poderá se concretizar sem uma
prática vigorosa de combate a todas a ao modelo patriarcal formas de
discriminação, diminuição e ataque, físico ou não, à vida das
mulheres.
Para
enfrentar a questão da segurança, é preciso reafirmar a posição
contra a política baseada no encarceramento e repressão. Isso
significa combater, ao mesmo tempo, a ideia de redução da
maioridade penal, que parte do pressuposto que a prisão é uma
solução para o problema da violência; a brutalidade policial, que
vitimiza sobretudo jovens negros e das periferias, através dos autos
de resistência e do uso do tráfico de drogas como desculpa para um
verdadeiro genocídio étnico (pelas mãos da polícia militarizada
herança da Ditadura Militar, o que é preciso ser revertido),
visto que o número de mortes de jovens
brancos tem diminuído e o de jovens negros aumentado; e, por fim,
combater também o conceito de guerra às drogas e o grande mito de
que a repressão armada tem consequências positivas.
Nesse
cenário, é importante destacar também a luta dos movimentos
sociais em defesa da memória, verdade e justiça. Alguns aspectos da
transição negociada da ditadura para a chamada “nova república”
merecem destaque, tendo em vista que a transição democrática
brasileira é inconclusa. Resquícios da ditadura militar ainda estão
presentes: a lei de anistia, imposta aos movimentos de luta contra a
ditadura, precisa ser revisada. O Supremo Tribunal Federal deve
reexaminar esse entrave à punição de torturadores e assassinos.
Nesse sentido, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) precisa ter o
seu período de funcionamento prorrogado por pelo menos 2 (dois)
anos, tendo em vista que o primeiro ano da CNV foi basicamente de
organização interna.
Defendemos
que o relatório produzido pela CNV sirva como base para a revisão
da lei de anistia no sentido da punição aos torturadores e indique
também proposições que alterem a matriz curricular das unidades de
ensino do país, tornando obrigatória uma leitura crítica do
período ditatorial.
Reformas
estruturantes
Além
disso, é preciso colocar em evidência algumas reformas
estruturantes e transformações profundas que dizem respeito a
contradições para as quais a política brasileira sempre busca
atalhos ao invés de respostas. Por exemplo, a concentração da
propriedade no âmbito da comunicação por algumas poucas famílias
é um fator danoso para o Brasil em muitos aspectos, como o da
diversidade da produção e difusão da cultura popular, e também
uma das amarras do desenvolvimento social brasileiro. É preciso
lembrar que os meios de comunicação de massa são elementos muito
importantes para a construção da hegemonia ideológica e, portanto,
uma das grandes armas que a direita brasileira tem contra os
movimentos populares. E, também, que todas essas medidas já são
previstas na Constituição Brasileira, mas, pelo poder que tem as
grandes corporações da mídia, jamais foram efetivadas.
A
reforma agrária é outro tema no qual há pouco avanço e, por
vezes, até retrocesso. Ao contrário de algumas décadas atrás, não
é mais apenas contra o latifúndio improdutivo que a luta se coloca,
mas também contra o modelo econômico do agronegócio, que, além de
ser ambientalmente danoso pelo uso contínuo de agrotóxicos, ainda
tem uma produção voltada ao mercado estrangeiro e a alimentos
processados, e não ao abastecimento da população brasileira por
alimentos de qualidade. O latifúndio brasileiro é a razão de
muitas mortes no campo e na cidade, seja pela violência dos
capangas, seja pela situação precária da vida daqueles que saíram
do campo para a cidade em busca de uma vida melhor e lá apenas
encontraram mais pobreza. E, enquanto os ruralistas buscam refinar
seus instrumentos legais de legitimação de suas imensas
propriedades desmatadas, como no caso do Código Florestal, mudanças
de legislação simples como a atualização periódica dos índices
de produtividade da terra enfrentam todos os entraves possíveis.
Isso
está relacionado ao desmedido poder político que determinados
setores econômicos tem no Estado brasileiro. Para transformar esse
quadro, deve-se reformular o sistema político para que este possa
dar melhores respostas às demandas da sociedade, mais participativo
e aberto, sem favorecer aqueles que já detêm um poder econômico. O
financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais pode
modificar as relações de classe na política brasileira,
favorecendo a intervenção dos movimentos sociais, à ampliação da
participação da juventude e a lista fechada para as eleições
proporcionais (deputados e vereadores) contribui para uma política
orientada por ideias e não pelo personalismo, bem como facilita
medidas como alternância de gênero e cotas para negr@s e jovens,
que podem ajudar a desfazer distorções existentes na composição
da classe política brasileira; a extinção do Senado, que tem se
mostrado uma das fortalezas conservadoras da sociedade; e a criação
de mais mecanismos de participação popular, como o fortalecimento
dos projetos de iniciativa popular, plebiscitos, referendos.
A
reforma do judiciário brasileiro também deve estar na pauta
política. O único poder que quase não tem controle social precisa
ser reformulado para que deixe de ser uma arma da manutenção do
status quo, da criminalização dos movimentos sociais e da esquerda
e da criação de obstáculos às medidas progressistas que podem
advir de um sistema político reformado.
Por
fim, um tema estratégico para a nação brasileira é o destino que
terá o petróleo brasileiro. Em que pese a defesa de fontes de
energia mais limpas, o Brasil tem uma quantidade considerável de um
dos bens mais disputados do planeta, e isso não é pouco. Por isso,
em defesa do uso do petróleo para os interesses nacionais, é
fundamental reafirmar que a União Nacional dos Estudantes avalia
como fundamental ter uma Petrobrás 100% estatal e pública. Isso
significa combater a prática de leilões de petróleo e gás,
desenvolvendo ciência e tecnologia nacional própria para a
exploração dessa importante riqueza. É isso que pode garantir,
inclusive, a principal pauta política do movimento nos últimos
anos: o investimento de 10% do Produto Interno Bruto na educação.
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