sexta-feira, 7 de junho de 2013

Proposta de resolução de Educação do Campo Popular - 53º Congresso da UNE


A educação não é um ente isolado na sociedade. Esta não pode ser compreendida fora do contexto histórico-social concreto. Embora em nossa sociedade, os sistemas de ensino tenham sido concebidos para reproduzir a ordem social dominante, seus valores, “visão de mundo” e ideologia, o processo de constituição da Universidade é um processo contraditório que permite a abertura de brechas em favor da disputa por alternativas educacionais significativamente diferentes e emancipadoras. Disputa essa que está diretamente ligada à disputa mais geral de hegemonia da sociedade.
Desta forma, defendemos a educação como um direito universal, pois estamos entre aqueles que entendem que o acesso ao conhecimento e à formação intelectual é condição fundamental para o desenvolvimento social e a elevação do nível de consciência dos povos. A educação, assim, é um bem público que não pode constituir-se enquanto privilégio de uma minoria e deve ser garantido pelo Estado com recursos públicos, condição para a manutenção de seu caráter laico, bem como da liberdade e autonomia pedagógica e científica necessárias a seu exercício.
Portanto, cabe ao movimento estudantil em seus espaços de atuação, aliando-se aos demais movimentos sociais da classe trabalhadora, aprofundar a luta por uma educação multiconceitual, contra-hegemônica e libertadora, que caminhe na contramão da lógica do capital. Uma educação que visa a elevação da consciência política de estudantes e educadores como resultado da sua inserção crítica na realidade tornando-se ferramenta de libertação dos trabalhadores e setores populares, em que o processo de aprendizagem se torne consciente, e não alienado, sendo assim uma das forças capazes de contribuir na luta pela construção de uma nova sociedade, livre de toda a opressão e exploração.


Educação brasileira nas últimas décadas
Durante os anos 90, na consolidação do regime neoliberal, tivemos um cenário de fortalecimento do ensino privado e desmonte do ensino público. No governo de Fernando Henrique Cardoso foram implementadas medidas como o corte de verbas para as Universidades Federais, a extinção de cargos do funcionalismo público e a proliferação das terceirizações e das fundações privadas ditas “de apoio”. Este contexto gerou uma forte resistência e unidade no movimento educacional, que protagonizou muitas lutas e greves, garantindo que a educação pública não fosse privatizada e permanecesse gratuita.
Na última década vimos uma mudança neste cenário. Com o advento dos governos Lula e Dilma, uma série de políticas educacionais no ensino superior inverteram a antiga lógica. O Governo aumentou investimento no ensino público, com programas como o REUNI, que possibilitaram a expansão das Universidades Federais. Com sua implementação foram criadas 14 novas Universidades e mais de 180 novos campis. Tivemos um aumento significativo do orçamento das Universidades Federais, que passou de R$ 9 bilhões em 2002 para mais de 20 bilhões nos últimos anos.
Quanto ao setor privado, este também viveu uma grande expansão, inclusive superior ao setor público, devido, sobretudo, a não regulamentação e se beneficiou dos investimentos do governo na educação, através do PROUNI e do FIES, de modo que nunca antes houve tantas Universidades, Faculdades e cursos EAD espalhados pelo país cobrando para oferecer o que tratam como seu produto, sua mercadoria. Essa concessão à iniciativa privada não foi acompanhada pela sua regulamentação. Acreditamos que, num cenário em que muitas instituições particulares são virtualmente dependentes do PROUNI e FIES para se manter, o Estado pode e deve utilizar esse instrumento de pressão para regulamentar o ensino privado, garantindo os direitos d@s estudantes, inclusive a livre organização, e as contrapartidas da instituição.
As mudanças da última década concentraram-se em minimizar a primeira grande barreira: o acesso. No entanto essa expansão se deu nos moldes conservadores, visto que o governo não alterou a estrutura antidemocrática que organiza e gerencia o Ensino Superior no país. O cenário atual tem demonstrado as contradições, assim como limites e potencialidades, desta política de expansão.
Cabe também ressaltar que nas universidades federais, metade das obras não foram concluídas a tempo e muitos dos professores ainda não foram contratados. É importante ressaltar ainda que muitos cursos foram criados sem demanda social, numa lógica de cumprir estatísticas, metas e apenas gerar bons relatórios quantitativos, mostrando as falhas de construir um processo de cima para baixo sem modificar a estrutura conservadora da Universidade brasileira.
Já nas Instituições de Ensino Superior Privadas a lógica dominante é a do financiamento destas com enormes aportes de recursos públicos diretos ou isenções fiscais, sem discutir a contrapartida que diz respeito ao modelo político pedagógico, o tripé ensino, pesquisa e extensão, as políticas de permanência e a democracia interna das instituições.
Um grande limite é a questão da permanência. O financiamento reduzido do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), de somente 600 milhões, não dá conta dos desafios trazidos pela expansão do ensino superior, que com a mudança na forma de acesso por meio do novo Enem e com as ações afirmativas, como a lei de cotas, tem mudado o perfil dos estudantes universitários. Estas políticas ampliaram a oportunidade de acesso a setores historicamente excluídos do meio universitário, porém não deram conta de garantir condições necessárias de permanência. Boa parte das instituições ainda não supriram as demandas básicas de moradia e alimentação, de transporte, acesso à creche, saúde, quem dirá de acesso à cultura, ao apoio pedagógico e entre demais ações de equiparação de condições sociais, incluindo a questão da acessibilidade, que constitui uma barreira grave ao acesso das pessoas com deficiência física à universidade.
Para solucionar essa questão é fundamental a destinação de 10% do PIB para a educação pública e a ampliação dos recursos para a assistência estudantil para, no mínimo, de 2,5 bilhões. Nas universidades estaduais, a situação também é grave, visto que muitas delas tem um orçamento muito reduzido. Nesse sentido, o investimento federal nas universidades estaduais pode ser uma saída interessante para o subfinanciamento do ensino público estadual.
Além disso, é necessário ampliar o conceito de ações afirmativas implementado nas universidades. As universidades, em geral, compreendem as ações afirmativas apenas como as cotas de acesso. Assim, a Lei de Cotas é uma vitória histórica, e é necessário, por conta dela, elevar o debate para outro patamar, que inclua mudanças curriculares, programas afirmativos de assistência estudantil, voltados especificamente para os segmentos historicamente excluídos. Só assim a grande transformação que as cotas promovem no corpo discente poderão atingir em cheio a universidade, mudando sua concepção, o corpo docente e outros diversos aspectos nos quais ela ainda é exclusivista.
Em que pese o investimento ser essencial para a garantia da ampliação e infraestrutura e qualidade de ensino, as limitações deste processo vão para além dos recursos e esbarram em uma gestão arcaica e altamente centralizada. Nós, estudantes que vivenciamos cotidianamente a universidade e suas problemáticas, deveríamos ter peso igualitário nos espaços de decisão da universidade, como conselhos superiores e colegiados de curso. Cabe frisar também que a ausência de recursos explica muita coisa, mas não o ensino bancário, eurocêntrico, machista, homofóbico, distanciado da realidade. Ou seja, não explica nossos modelos curriculares que apontam para este modelo de educação posto. Este é um dos grandes desafios do próximos períodos: avançarmos na construção de uma nova concepção de educação através da transformação curricular. Compreendendo a necessidade da construção de conhecimento através do intercâmbio entre a academia e a sociedade, por meio da extensão.
O movimento estudantil brasileiro não pode assistir sentado às mudanças educacionais do país. Tampouco deve ter uma postura meramente reativa, emitindo apenas opiniões acerca das políticas do governo, mas sem capacidade de propor e pautar as transformações. Temos o papel de lutar para que o ensino público seja maioria no nosso país. Porém somente aumentar os números de matrículas nas Universidades Públicas que são arcaicas e conservadoras não basta, é necessária uma expansão com qualidade e inclusiva. Isto se torna possível se esta vier acompanhada de uma verdadeira reforma universitária, protagonizada pelos estudantes que mexa nas estruturas de nossa Universidade e a torne realmente pública, democrática e popular.
Reforma universitária
No último CONEB aprovamos uma resolução de Reforma Universitária e no 12º CONEB em Salvador aprovamos a proposta de Reforma Universitária da UNE. Ocorre, porém, que os estudantes brasileiros não conhecem esta proposta, uma vez que foi elaborada por poucas mãos e não foi alvo de discussões nas universidades. A elaboração do projeto de reforma universitária da UNE foi um gesto político importante do movimento estudantil. Entretanto, mesmo sendo resultado de uma postura menos pautada pela agenda do governo federal para a educação, o projeto ainda deve ser melhor debatido e atualizado pelos fóruns do movimento.
Defendemos uma Reforma Universitária que contemple um projeto de universidade pública, estatal, laica e gratuita, uma vez que a educação é um direito social de toda a população, devendo ser garantida através de investimentos públicos. Defendemos que a universidade cumpra a sua função social, contribuindo com a superação das desigualdades sociais e não mais a sua reprodução. Propomos a superação do método pedagógico tradicional, bancário, mercadológico e autoritário, onde o professor assume um papel de sujeito inquestionável da reprodução do saber, detentor de todo conhecimento, enquanto as e os estudantes são tratadas/os como jarras vazias; a revisão dos mecanismos de avaliação que não permitem uma reflexão crítica acerca do conhecimento produzido; do academicismo pautado pela lógica da produtividade e descomprometido com práticas transformadoras; da formação profissional pautada por demandas do mercado e não pelas demandas sociais;
As instituições de ensino devem ser co-governadas democraticamente por todas as categorias da comunidade acadêmica, uma vez que a realidade da universidade diz respeito aos sujeitos que a constroem.
Por isso aprovamos:
- 10 % do PIB para a educação pública;
- 100 % dos royalties para a educação pública;
- 2,5 bi para a assistência estudantil;
- Revisão dos critérios para concessão de bolsas adotados pela Lei 12.711/12 que trata do Programa de Bolsa Permanência para Estudantes Cotistas;
- Por no mínimo 15% do Orçamento da IES para Assistência Estudantil;
- Recursos de assistência estudantil para estudantes prounistas e do FIES;
- Bolsa permanência para todos prounistas;
- Ampliação dos cursos Noturnos;
- Autonomia financeira para as Universidades Estaduais;
- Paridade nos conselhos superiores, nas eleições e na gestão das universidades;
- Regulamentar o ensino privado em todos os níveis educacionais, limitando a participação de capital estrangeiro na educação, retomando os marcos da educação como direito e não como mercadoria, garantindo fiscalização efetiva para evitar abusos”;
- Pela não aprovação da fusão da Kroton e Anhanguera;
- Curricularização da extensão universitária e valorização da comunicação da universidade com os movimentos populares;
- Avaliação dos professores pelos estudantes;
- Pelo fim da privatização, contra EBSERH, Hospitais universitários 100% SUS!;
- Remuneração dos estágios obrigatórios dos cursos da saúde;
- Caráter vinculativo das CONAE’s;
- Pela redefinição dos métodos de ensino – abaixo a pedagogia tradicional!;
- Reformas curriculares que transformem a formação profissional rumo à compreensão da realidade social;
- Pela indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, socialmente referenciados;
- Pela revogação da Lei de Inovação Tecnológica e das PPP;
- Pelo Fim das Fundações Privadas ditas “de apoio”. Controle Público Já!


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