terça-feira, 17 de março de 2015

Sobre as manifestaações recentes e o futuro do país

*Por Pedro Feitoza

De sexta-feira a domingo, o país viveu dias bem agitados. Não há dúvidas de que vivemos tempos que exigem do povo brasileiro grandes decisões. Resta saber quais decisões serão essas.

No dia 13, milhares de trabalhadores e trabalhadoras, estudantes e movimentos sociais saíram às ruas em defesa dos direitos trabalhistas, da Petrobras e da reforma política. A sua mensagem era clara: não aceitar que em um país de desigualdade extrema, os pobres e a classe trabalhadora paguem a conta da crise econômica; não aceitar que os casos escandalosos de corrupção na Petrobras fiquem impunes e sirvam de pretexto para o desmonte e completa privatização da empresa; apontar que a saída para a crise política e econômica é uma reforma profunda do sistema político brasileiro.

No dia 15, as manifestações tiveram um alcance maior, nas quais cerca de 500 mil pessoas ou mais saíram às ruas numa massa difusa das classes economicamente alta e média (há conflitos nos números, mas a expressividade do ato é explícita). Para compreender a apontar as demandas desse movimento é preciso uma análise demorada.

As perguntas que se colocam são: por que as pessoas ocuparam as ruas ou apoiaram virtualmente e quais as pautas que unificam todos e todas no mesmo dia?

Os motivos de tantas pessoas ocuparem as ruas são vários. Não é meu objetivo analisar detidamente cada um deles, apenas apontá-los, sem obedecer a uma ordem de importância.

Primeiro: os erros e acertos do Partido dos Trabalhadores nesses 12 anos de governo federal.

Os acertos geraram grande insatisfação dos setores privilegiados da sociedade brasileira: maior distribuição de renda, fortalecimento e expansão dos programas sociais, política de valorização do emprego e do salário mínimo, forte combate à fome e à miséria, expansão da rede federal de educação e adoção de cotas sociais, mudança da política externa com alinhamento na América Latina e aos BRICS, redução dos juros, aumento de crédito, Mais Médicos, fortalecimento das instituições de fiscalização e combate à corrupção, entre tantos outros avanços.

Em outro sentido, os erros geraram insatisfação junto à classe trabalhadora, aos movimentos sociais e organizações da esquerda brasileira, justamente onde o Partido dos Trabalhadores e o governo tem sua base de apoio, tendo como resultado uma profunda despolitização daqueles que melhoraram de vida a partir dos acertos apontados anteriormente: estratégia política equivocada que centrou forças unicamente na luta institucional, deixando de lado a mobilização e conscientização social e a articulação política de forças progressistas em torno de um projeto claro de reformas estruturais do Estado brasileiro; a incapacidade do PT de realizar internamente e externamente a autocrítica e mudanças necessárias exigidas em casos como o chamado “mensalão” e na ação de alguns parlamentares do partido que mais pareciam compor a oposição. Ademais, o PT passou a agir mais como uma correia de transmissão das decisões do governo do que como uma organização política de disputa de projeto histórico para sociedade. Isso não poderia vir sem efeitos colaterais para a história e organização do partido.

Pode parecer contraditório, mas foram tanto os erros como os acertos desses 12 anos motivos pelo crescimento das manifestações do dia 15.

Segundo. Ainda do ponto de vista político, o resultado acirrado das últimas eleições continua a gerar efeitos sobre a conjuntura política do país. Ao contrário das eleições anteriores, o projeto político canalizado pela candidatura tucana obteve chances claras de vitória, o que reacendeu sobremaneira a esperança da direita de retomar o governo federal. Devido a esse resultado, aqueles derrotados nas urnas ainda acreditam, por outras vias, poderem alcançar a “vitória”.

Terceiro. As manifestações de junho de 2013 foram difusas, com uma grande confusão dos motivos e das pautas das manifestações. Mas uma coisa podemos afirmar: existia uma grande insatisfação popular em relação aos serviços públicos, sejam os operados diretamente pelo Estado ou através de concessões públicas. Essa insatisfação permanece e apesar dos cartazes dos atos do dia 15 abordarem de forma reduzida essas demandas, ainda é um fator que deve ser considerado para explicar a adesão de uma parcela da população às manifestações, seja nas ruas, seja virtualmente.

Quarto. A crise econômica que o país enfrenta agrava ainda mais a situação política. O país vive hoje um momento de ajuste fiscal para organizar e balancear as contas do governo, ajustes que tem recaído nas trabalhadoras e trabalhadores; aumento de preços, devido tanto à inflação (que nem de longe atinge os patamares alardeados pela mídia opositora), como à correção de preços e à crise hídrica que atravessa as reservas energéticas (gerando reflexos nos preços de energia e alimentos).

Quinto. O histórico problema da corrupção. Não há no país sequer uma brasileira ou brasileiro que não tenha conhecimento de inúmeros escândalos de corrupção e que, de forma honesta ou hipócrita, se sinta indignado ou indignada com isso. Não há um brasileiro ou brasileira que em algum momento de sua vida não tenha pensado que o problema central de todos os problemas políticos e sociais do país seja a corrupção (é o que muitos continuam a pensar). E como esse tema nunca foi encarado e discutido de forma ampla e séria no país, muito menos pelos representantes políticos - já que se dá de forma sistêmica e atinge todo o sistema político e a coisa pública - a indignação sempre girou em torno de suas consequências, nunca de suas causas fundamentais (afinal, o fato de 70% dos parlamentares do Congresso Nacional terem suas campanhas financiadas por apenas 10 empresas nunca foi motivo de indignação de muitos e muitas). O que aumenta a descrença na política e na capacidade do povo de se autogovernar (tendo como alvo exclusivamente os “corruptos” e nunca os “corruptores”). Daí que qualquer expressão (ou cartaz) contra a corrupção, independente de seu teor, sempre foi visto como expressão do sentimento nacional. Sem dúvida, esse é um dos elementos mais importantes para explicar a mobilização do dia 15, mesmo que muitos daqueles que ocuparam as ruas não compreendam ou não estão dispostos a debater e atacar as verdadeiras causas desse problema.

Sexto. O fato do Partido dos Trabalhadores ter alcançado vitória no âmbito federal nas últimas quatro eleições, contabilizando 12 anos de gestão, torna-o alvo fácil para aqueles que desejam eleger um único culpado para todos os elementos descritos anteriormente. Para muitos brasileiros e brasileiras, não importa que o sistema político, estritamente considerado, seja composto também por 59764 vereadores, 5570 prefeitos, 513 deputados, 81 senadores, 27 governadores. A responsabilidade de quaisquer problemas sociais passará sempre pela figura do Presidente ou Presidenta da República, seja por nossa cultura política, por nosso sistema presidencialista e federativo ou pela expressão e tamanho do Governo Federal. A competência dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e das entidades federativas (município, estado e União) é tema de profundo desconhecimento geral. O que contribui também para que a grande maioria dos que foram às ruas no dia 15 ter na Presidenta da República seu alvo preferido.

Todos esses elementos ajudam a explicar a crescente insatisfação da população com o governo e o sistema político. Mas para explicar o caráter das manifestações do dia 15 é preciso incluir outros dois elementos (sétimo e oitavo).

O sétimo elemento que deve ser considerado é a localização dos atos do dia 15. As manifestações realizadas nas regiões norte e nordeste tiveram pouca expressão se comparadas ao sudeste. Dentro do sudeste, capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte tiveram um alcance reduzido, não alcançando 1% do eleitorado. O grande destaque foi, de fato, São Paulo, estado que votou majoritariamente na oposição e onde o perfil dos manifestantes era claramente de classe média. É preciso ressaltar que esse elemento não é indicado aqui para diminuir a força da mobilização, mas para estabelecer de forma mais precisa o seu caráter, considerando que os elementos trazidos acima dizem respeito a toda população brasileira.

O oitavo elemento é a manipulação e atuação midiática. Num país de enorme concentração dos meios de comunicação, no qual o oligopólio formado por pouquíssimas famílias permite a manipulação e composição de uma agenda única e seletiva, não é de estranhar que a atuação da grande mídia é de pautar, incentivar, mobilizar e cobrir de forma manipulada os protestos contra o governo federal e em favor da agenda conservadora (basta checar os números de manifestantes apresentados pela Globo, tanto nos atos do dia 13, como no dia 15). A verdade é que o capítulo da Constituição Federal que trata da regulação da comunicação social é letra morta, sem quaisquer efeitos jurídicos. Grande parte de seus artigos esperam há mais de 20 anos por regulamentação do Congresso Nacional, procedimento necessário para que suas diretrizes ganhem vida. O resultado disso é uma cobertura exaustiva das mobilizações que são do interesse dessas mesmas empresas. Além de uma cobertura dos escândalos de corrupção de forma seletiva como, por exemplo, ao atribuir a apenas um partido político os resultados da Operação Lava-Jato (Petrobras) ou silenciando acerca de uma das maiores fraudes já descobertas que é o caso da sonegação promovida pelo HSBC, caso que atinge cerca de 8 mil pessoas ricas do país e inclui os próprios donos dos meios de comunicação - Folha, Globo, Band e Jovem Pan apareceram ligadas ao escândalo.

O resultado dessa soma de fatores lidos a partir dos dois últimos elementos é uma manifestação que inclui e dialoga com os anseios e indignação de diversos setores da sociedade brasileira e por isso se torna expressiva no cenário político nacional, mas que é liderado pelos interesses de setores específicos da classe média alta que unifica e leva as pessoas às ruas em torno de uma palavra de ordem: “Fora Dilma e leve o PT junto", custe o que custar. O que se concretiza na exigência pelo impeachment.

Se eu me fiz claro e a leitora ou o leitor seguiu minha linha de raciocínio, vai compreender que minha conclusão não é que a unificação em torno do impeachment se dá exclusivamente pela manipulação midiática ou pela liderança dos setores derrotados na última eleição. Mas sim o conjunto de todos esses elementos que preparam um terreno fértil para uma unidade com esse caráter.

O problema é que a demanda política “Fora PT, Fora Dilma” serve muito bem para unificar um movimento com essas características e, sobretudo, para derrubar um governo. Porém, não serve para governar um país e muito menos apontar caminhos para o futuro de uma nação. Por um lado, o que se tem a partir daí é a construção de um clima de ódio e a criminalização de um partido político (nos atos, bandeiras do PT foram queimadas, algumas sedes do partido foram destruídas e bonecos representando suas principais lideranças foram enforcados). Por outro, um pedido de impeachment sem qualquer fundamento constitucional impõe a mudança ilegítima das regras do jogo político e a desinstitucionalização de nossa democracia. Além de não acatar os resultados de uma eleição democrática e recente. Nas palavras diretas do professor Schapiro: “O fora Dilma pode funcionar como desabafo pessoal, mas não tem cabimento como solução democrática” (cf. http://brasil.estadao.com.br/blogs/direito-e-sociedade/a-crise-e-politica-nao-institucional/).

Ora, se aqueles que usaram a camisa da seleção brasileira, hastearam a bandeira nacional e cantaram em coro o hino do país tem, de fato, comprometimento com a nação e a vida de milhões de brasileiras e brasileiros, então é preciso dizer mais do que simplesmente “Fora PT”.

Em todo caso, mesmo com esse problema crucial, os movimentos do dia 15 mostraram sua força política significativa na decisão dos rumos da política e sociedade brasileiras. Assim como as manifestações do dia 13 mostraram uma parcela significativa da sociedade que também está insatisfeita com os rumos, mas que propõe soluções diferentes.

Uma vez feita a análise, chega-se ao que de importante tenho a escrever sobre toda essa conjuntura política conflituosa. Para mim, essa análise coloca uma questão urgente que precisa ser enfrentada seja por quem foi aos atos do dia 13, seja por quem foi aos atos do dia 15, seja por quem ficou em casa assistindo, ou seja por quem não está entendendo nada do que está acontecendo: Qual a solução para a crise política vivida pelo país? Qual caminho seguiremos?

De nada adianta o impeachment da presidenta, pelos motivos escritos acima e por termos na linha sucessória Michel Temer (PMDB) e dois indiciados na operação lava-jato sem qualquer autoridade para governar o país: Eduardo Cunha (PMDB) e Renan Calheiros (PMDB). Assim como não adianta defender a manutenção de um governo paralisado sem apontar expressamente a soluções que ele deve adotar. Isso porque a crise não é meramente econômica ou de gestão de um governo. A crise é política no seu sentido mais profundo. Vivemos em um país que, apesar nos enormes avanços sociais da última década, continua sendo profundamente desigual, excludente e injusto. Temos forças de segurança e um sistema de justiça ineficientes e seletivos. Temos uma extrema concentração de terras, rendas e riquezas. Nossas instituições e nosso sistema político não conseguem responder as necessidades reais de nosso povo. No entanto, nossa jovem democracia pode sim apresentar soluções a essas questões, através de um debate público amplo.

Resta saber se deixaremos esse debate público ser guiado pela posição de pessoas como o ex-jogador Ronaldo “Fenômeno" que afirmou, em plena preparação para a Copa do Mundo, que o país precisava de mais estádios, não de mais hospitais. Se será guiado por pessoas que não tiveram o mínimo constrangimento de segurar cartazes dizendo: “Contra o genocídio, intervenção militar já”, “Fora Supremo, Fora Dilma, queremos só Ministério Público e Polícia Federal”, “Pena de morte pra corrupto”, “Fim da urna eletrônica”, entre outros. Se será guiado por aqueles que se apropriam dos rumos da política brasileira através do financiamento privado de campanhas e são responsáveis diretos pela corrupção no país. Se será guiado pelos interesses dos 10% mais ricos da população.

Todos e todas precisam refletir sobre isso. Ainda mais aqueles que compareceram aos atos do dia 15.

As soluções para atual crise passam, necessariamente, por um único caminho: a realização de uma ampla e popular reforma política que possa de fato estabelecer uma mediação política de representação com capacidade de concretizar os interesses populares. Essa é a única forma de modificarmos a estrutura política do país, combater de forma sistemática a corrupção e criar mecanismos que permitam governar sem tantas alianças e conchavos espúrios que muitas vezes são abarcados pelo termo “governabilidade”. Uma reforma política que aumente a transparência, o controle social e a participação popular no Estado. Um reforma política que proíba o financiamento empresarial de campanha e aprove o voto em lista. Uma reforma política que possibilite a democratização do judiciário, democratização da mídia, reforma do sistema tributário na qual quem tem mais pague mais. Uma reforma política que permita a realização efetiva da reforma agrária (que permita baratear o preço dos alimentos), da reforma urbana (que garanta melhor mobilidade e condições de moradia) e de outras tantas demandas que a sociedade brasileira há tempos necessita.

Estabelecer a reforma política de caráter popular como principal solução não é fácil. Isso exige das organizações políticas, movimentos sociais e pessoas (organizadas ou não) comprometidos com ela a tarefa de ir às ruas conversar com ao restante da população, explicar sua necessidade e alcance. Exige que essa discussão ganhe a mídia eletrônica e tenha alcance nacional. Exige que o governo coloque os conselhos sociais de participação em prol dessa discussão. Exige que o Ministro do STF Gilmar Mendes devolva o processo que pede a inconstitucionalidade das doações empresariais de campanha. E exige que o Congresso Nacional e os governos, municipais, estaduais e federal levem a sério as centenas de organizações políticas e populares que construíram tanto a “Coalização pela reforma política democrática e eleições limpas”, liderada pela CNBB e OAB (cf. http://www.reformapoliticademocratica.org.br), como o “Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva para Reforma Política” que obteve quase 8 milhões de votos favoráveis à constituinte (cf. http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/).

Nessa luta, é verdade que podemos ser vencidos. Mas nesse caso é verdade também que é melhor ser vencido do que estar na pele daqueles que nos venceram.

Pedro Feitoza é mestre em Direito pela Universidade de Brasília e dirigente municipal da Articulação de Esquerda - tendência interna do Partido dos Trabalhadores (Natal/RN).

domingo, 25 de janeiro de 2015

Desafios da luta pelo transporte público na Grande Natal

Por Pedro Feitoza*

Início de ano e nada mudou em Natal quando a questão é transporte público. O velho e nada bom “bate-bola” entre a Prefeitura da cidade e o SETURN (Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros do Município do Natal) para “melhorar” o sistema de transporte já começou e anda a passos largos, seguindo a mesma trajetória de sempre (veja rápido texto de Daniel Menezes).

Em resumo, o SETURN quer um aumento imediato das tarifas (R$2,80), enquanto a Prefeitura propõe antes a abertura do edital de licitação para os próximos 20 anos (!). O curioso é que a nova proposta de licitação inclui a diminuição do número de linhas e de ônibus, ao mesmo tempo que promete aumentar a cobertura e qualidade do serviço. De acordo com o relatório do consultor Ricardo Medanha, na rede atual, o sistema conta com 80 linhas de ônibus e 726 ônibus, sendo 622 em operação. Já na rede que será licitada, serão 78 linhas e 629 ônibus, sendo 591 em operação. A proposta de aumento de tarifa segue baseada em relatórios fornecidos pelo SETURN.

Assim como o jogo político é igual, o resultado será o mesmo: aumento de tarifa sem dimensão real dos custos e lucros dos empresários. E sem qualquer melhoria significativa de qualidade do serviço. Sempre na conta das trabalhadoras e trabalhadores.

A única forma de impedir o resultado que se repete há anos é se aqueles que pagam a conta puderem dar uma resposta efetiva que mude a lógica do transporte público, tratando-o como um direito. E essa resposta só pode vir da luta cotidiana que se expresse através das ruas. Há alguns anos que a cidade vem construindo uma história de mobilização, atos e manifestações contra os aumentos das tarifas (como o Movimento Passe Livre, o #ForaMicarla e a Revolta do Busão). História que movimentou diversos atores políticos e obteve algumas conquistas. As exigências das lutas anteriores permanecem, ou seja, é preciso unificar os movimentos progressistas em torno de uma pauta comum e também ocupar as ruas. No entanto, a partir daí, o caminho seguido pelos movimentos tem se mostrado equivocado. É necessário que as/os militantes, as organizações políticas e as entidades estudantis tenham a maturidade de repensar a luta que tem travado e seguir novos rumos.

Terça-feira, dia 27, haverá uma reunião em que estão convidados todos os movimentos sociais, organizações políticas, partidos políticos, sindicatos, entidades estudantis, trabalhadoras e trabalhadores para rearticular a luta na cidade. A reunião ocorrerá no Diretório Central de Estudantes da UFRN, às 17h. 


Apresento aqui quatro proposições que podem ajudar nas discussões.

Primeiro, é importante ampliar o movimento para além das entidades estudantis. A luta por um transporte público de qualidade não diz respeito apenas às/aos estudantes, mas a toda população da região metropolitana, sobretudo para quem o custo da passagem pesa significativamente ao fim do mês. Em São Paulo, o MPL passou a colher melhores resultados quando optou por construir a luta também nas periferias da cidade. "Para derrubar a tarifa, não vão bastar grandes marchas no centro. Vai ser preciso que quem estiver indignado com o aumento se organize, se reúna em seus bairros para discutir os rumos da luta e planejar ações. Essa luta é de toda população”, diz uma mensagem do MPL/SP feita para convocar ativistas nas redes sociais.

Segundo, é preciso construir pautas propositivas, ao invés de simples negações como “contra o aumento da tarifa”. Não é eficaz construir uma luta nas ruas apenas em breves irrupções, quando existem ameaças de aumento de tarifa. Fazer isso é justamente cair nos joguetes do SETURN. Em minha análise, é preciso exigir a instauração de uma CEI por parte da Câmara Municipal para investigar como de fato funciona o sistema de transportes (similar à ocorrida ano passado em São Paulo, que apurou uma série de irregularidades, veja aqui. Outra exigência seria uma auditoria nas contas das empresas a ser realizada em parceria com órgãos como o Ministério Público e a UFRN. A transparência é essencial na resolução de problemas públicos. Em Curitiba, há o site Tarifômetro, que deixa disponível os gastos com mão de obra, impostos, e não há dúvida para cálculo da tarifa. Para além disso, vejo com bons olhos a solução de se criar uma empresa pública de transportes que faça a gestão direta do sistema.

Terceiro, articular várias instituições em torno da mesma luta. Não basta apenas ocupar as ruas, é necessário convocar Instituições de Ensino e Pesquisa, como a UFRN e o IFRN para compor estudos que possam sugerir novas soluções. Mas sobretudo, é urgente convocar os mandatos de partidos na Câmara Municipal para articular intervenções unificadas, além de ampliar a voz do movimento.

Por último e o que considero mais importante: é preciso devolver esperança às pessoas de que é possível construir uma cidade mais justa. E isso só será feito se houver a construção de um diálogo direto e sincero com a população que permita a todos os usuários e usuárias do transporte público perceberem que essa luta também é deles e delas.

*Pedro Feitoza é Mestre em Direito pela Universidade de Brasília e militante da Juventude da Articulação de Esquerda (Partido dos Trabalhadores)

terça-feira, 15 de julho de 2014

Pela Reforma Política, Constituinte Exclusiva Já!

por Bernardo Fonseca*

No sistema presidencialista de coalizão só há duas formas de governar e garantir avanços para as demandas reprimidas da maioria da população brasileira: alcançar maioria parlamentar no Congresso Nacional ou haver pressão popular suficiente para pressionar a sociedade política. Mesmo assim, o perigo do retrocesso é permanente, principalmente em países como o Brasil, onde o poder econômico determina a composição do parlamento através do financiamento privado de campanhas eleitorais, monopoliza os meios de comunicação e fragmenta as lutas populares.

No início da década de 60, quando a luta popular pelas reformas de base encontrou o então presidente João Goulart como aliado, a luta popular foi reprimida e o governo Jango deposto por um golpe militar responsável por instalar uma ditadura de 21 anos em nosso país. Após a redemocratização, a elite brasileira apelou para os mais variados e indecentes métodos para impedir a vitória de Lula em 1989, elegendo Fernando Collor presidente. A década de 90 revelou nitidamente as diferenças entre os projetos em disputa no Brasil, momento no qual os movimentos sociais e partidos progressistas empenharam uma luta de resistência às políticas neoliberais dos governos de Fernando Henrique Cardoso. Durante os governos do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma, novamente as demandas populares encontram aliados no plano governamental, mas o parlamento continua hegemonizado por representantes das elites, que buscam impedir qualquer reforma estrutural que se choque com seus interesses de classe. Sendo assim, vivemos mais de uma década de avanços e conquistas, excepcionalmente na área da educação (transformação do FUNDEF em FUNDEB, expansão dos institutos federais, expansão da universidade pública, Piso Salarial do Magistério, Lei dos Royalties, PNE com 10% do PIB para educação, Proinfância...), mas não avançamos o suficiente para efetivar, por exemplo, a reforma agrária, reforma tributária, democratização da comunicação, reforma política e auditoria da dívida pública.

Em junho de 2013, quando as juventudes ocuparam as ruas das principais cidades brasileiras em defesa de mais avanços e conquistas, a presidenta Dilma anunciou a necessidade de uma Constituinte Exclusiva e Soberana para reforma do sistema político, sem a qual é impossível avançar cada vez mais na democratização do Estado brasileiro, ainda fortemente marcado pela herança da ditadura militar e do neoliberalismo. Imediatamente a direita se mobilizou para derrotar a proposta, através do judiciário, do parlamento e da mídia empresarial.

Entretanto, os movimentos populares e partidos progressistas realizaram uma plenária nacional e decidiram mobilizar a sociedade brasileira em torno da necessidade de uma Constituinte Exclusiva. Qual seria o instrumento de mobilização da sociedade? A exemplo de 2002, quando mais de 30 milhões de brasileiros participaram de um plebiscito popular para dizer NÃO à Área de Livre Comércio das Américas - proposta dos Estados Unidos para a América Latina, lutadores e lutadoras de todo o Brasil deflagraram a construção do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. De 01 a 07 de setembro de 2014 a população brasileira será convocada a responder, nos mais diversos recantos do Brasil, em mesas de votação organizadas pelos movimentos populares, uma única pergunta: você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político? No Rio Grande do Norte e em todos os estados brasileiros estão sendo organizados diversos comitês que serão responsáveis por organizar a votação.

Trata-se de um momento extremamente importante de mobilização social e conscientização política. Esperamos que milhões de brasileiros e pelo menos 500 mil potiguares participem do Plebiscito Popular e respondam SIM, nós somos a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político, queremos mais uma década de avanços e conquistas para o povo brasileiro, queremos que a maioria da população brasileira e que os segmentos historicamente excluídos da participação política estejam representados no parlamento brasileiro, defendendo os interesses populares em detrimento dos interesses empresariais. Participe do Plebiscito Popular organizando um comitê no seu bairro, escola, trabalho, sindicato, associação ou no seu município. Como diria Raul Seixas, “sonho que se sonha junto é realidade”.

* Bernardo Fonseca é militante da Articulação de Esquerda (PT), presidente licenciado do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do RN, Secretário de Movimentos Populares do PT/RN e candidato a deputado estadual.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Nota em solidariedade ao MST e aos familiares dos militantes que tombaram na Chapada do Apodi

Nota da Direção Estadual da Articulação de Esquerda - RN em solidariedade ao MST e aos familiares dos militantes que tombaram na Chapada do Apodi.

A luta pela democratização da terra no Brasil é marcada por sangue de lutadores e lutadoras vítimas dos herdeiros da casa-grande. No último dia 06 de maio, essa luta nos tirou de forma brutal dois companheiros, Francisco Laci Gurgel Fernandes e Francisco Alcivan Nunes de Paiva, ambos do Acampamento Edivan Pinto, que resiste ao Projeto de Morte imposto na região da Chapada do Apodi/RN.

É um reflexo da intolerância, ganancia e covardia das elites, do descaso com a Reforma Agrária popular e da criminalização da luta pela terra e dos movimentos sociais em geral. É fundamental a mobilização dos movimentos sociais organizados para que seja feita a apuração dos fatos e responsabilização dos culpados.

Somamos apoio também aos Movimentos Sociais que defendem a paralisação imediata do Projeto da Morte na Chapada do Apodi.

Aos acampados do Edivan Pinto e aos familiares dos militantes assassinados nossa solidariedade e comprometimento na luta por uma Reforma Agrária popular.

Mossoró, 10 de maio de 2014.
Direção Estadual da Articulação de Esquerda - RN

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Gestão e Financiamento: Simplificando Conceitos

Por Leonardo Rodrigues*

Em 2004 participei de um Seminário de políticas públicas em saúde onde hoje é a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Um dos palestrantes era um médico colombiano, não lembro seu nome, e questionava como o Brasil conseguia manter uma política de saúde universal? Ele alegava que era impossível manter um sistema de saúde totalmente público.intervenção questionei como conseguiam manter um sistema exclusivo, como o da Colombia, que entre tantas coisas fazia uma mulher parir na calçada por falta de 50 dólares? Esta polêmica foi a tônica do debate e levou a uma resposta final do palestrante: - eu não sei!

E difícil compreender a possibilidade de um sistema monstruoso como o SUS dar certo. Temos a concepção do estado burocrático emperrado, do trabalhador descomprometido e de uma estrutura antiquada e deficitária. Bem de fato isto é verdadeiro! Na maioria dos estados e municípios temos esta situação muito evidente. Os entraves são tantos que muitos processos que deveriam dar respostas imediatas são cozidos em banho-maria na papelocracia estatal. Uma aquisição de medicamentos, as vezes, pode levar meses.

Quanto ao financiamento, este é apontado como um dos maiores gargalos do SUS. A destinação anual de 10% da receita corrente bruta da união pelo setor poderia ser uma das saídas para viabilizar as políticas de saúde, considerando que mal ultrapassa 8% dos investimentos federais. Já o governo federal defende 15% da receita corrente liquida para a área. O problema é que esta proposta depende da priorização de investimentos entre políticas públicas ou políticas econômicas, some-se a isto a negligência dos governos estaduais em transferir os 12% constitucionais e o resultado é que as contas não fecham.

Com a municipalização outorgada na constituição de 88, os municípios aumentaram seus investimentos em saúde exponencialmente, enquanto as outras esferas encolheram drasticamente sua participação.

Nestes 25 anos de SUS muitos profissionais que em sua maioria eram servidores do Estado estão se aposentando, causando um déficit enorme em relação ao número real de trabalhadores necessários. A gestão e o tamanho da máquina pública são os mesmos de um quarto de século atrás, ou seja, completamente inadequada as necessidades de hoje. O avanço tecnológico ocorrido não foi acompanhado na gestão, computadores e telefones são artigo de luxo em estabelecimentos de saúde. Existem ilhas de qualidade que servem de parâmetro mas que impactam muito pouco nos resultados finais.

Há uma defasagem de 30% de trabalhadores, muitas destes quadros são completados com contratações emergenciais, terceirizações e servicos cooperativados, lesando o erário devido seu alto custo. Grande parte dos problemas de contratações estão vinculados ao limite prudencial, ou seja, limite compulsório de endividamento dos municípios através da lei de responsabilidade fiscal. A Gestão torna-se comprometida devido a inviabilidade de contratar técnicos, ora pela priorização das áreas afins, ora pela incompreensão da necessidade da especialização na gestão.

Apesar do baixo investimento em saúde, fato este infinitamente já discutido, as dificuldades de gestão tem levado os municípios a perderem recursos de transferências voluntárias do governo federal. Isto se deve a dificuldades de atender as exigências por falta de profissionais capacitados. Apenas para ilustrar, o governo federal somente conseguiu concluir 10,6% do PAC saúde que previa melhorias em 15.638 unidades de saúde. Os valores das transferências voluntárias deveriam ultrapassar a casa dos 6 bilhões de reais mas, devido inoperância, muitos destes recursos não serão captados e parte dos recursos contemplados terão de ser devolvidos por não atenderem exigências contratuais. Isto se deve porque toda a parte de gestão fica por conta dos municípios e estes não tem capacidade instalada para dar conta deste enorme sistema sem melhorar a gestão.

Outra evidência é que 30% dos exames e consultas especializadas são deixados de ser realizados porque os usuários acabam faltando por diversos motivos. Ao mesmo tempo estes são cobrados pelo prestador, ou se forem realizados por instituição pública haverá subutilização do equipamento. Esta ineficácia custa aos cofres públicos 3 bilhões de reais ao ano. Além disto, 15% dos exames solicitados são considerados desnecessários. Devido à falta de um banco de dados osserviços são repetidos, solicitados em excesso devido à falta de protocolos clínicos ou a imperícia dos profissionais. Some-se a isto mais 1bilhão e meio de reais.

Estas dificuldades nos mostram o potencial do sistema e sua viabilidade. Em relação ao financiamento da saúde pública, o Estado ainda não chegou aos limites necessários a sua execução plena, isto por comparação, chegaria com investimentos públicos na ordem de 11,7% do orçamento de acordo com a média mundial conforme a OMS. Vale lembrar que representaria em torno de 85% das despesas com saúde em relação ao investimento privado. Na gestão vimos que podemos reduzir custos monstruosos devido sua ineficiência. Precisamos achar uma saída ao regime prudencial e esta pode ser o regime autárquico. Um Plano de cargos, carreiras e salários no SUS, regionalizado, pode ser alternativa para atrair trabalhadores e completar os quadros funcionais. Em fim, o SUS pode ser acessível, planificado e viável. 

*Leonardo Rodrigues é Administrador de Sistemas e Serviços de Saúde (UERGS), Especialista em Gestão de Projetos de Investimentos em Saúde (FIOCRUZ / ENSP)e Militante da Articulação de Esquerda no Rio Grande do Norte

quarta-feira, 19 de março de 2014

Saúde: Socialismo ou barbárie?

Com a adoção de um sistema econômico baseado nos planos quinquenais, Stalin na antiga União Soviética, tornava o desenvolvimento fabril soviete num sistema de exploração idêntico ao que já prevalecia no ocidente. Em tese, Trotsky alegava que não era abandono do socialismo mas sim um aparato estatal degenerado, usurpador e cheio de privilégios. Nada mais nada menos a revolução russa fora substituída por um regime onde trabalhadores eram explorados para o desenvolvimento do governo stalinista.

Os interesses econômicos representados pelos monopólios industriais e/ou pelo capitalismo de estado apresentados como transnacionais e acobertadas pela máquina estatal encontram-se, como um parasita, em busca da exploraçãoda humanidade.  A fim de maximizar seus lucros o grande capital arma seu circo onde melhor poderá obterseus lucros, independentemente das consequências derivadas da exploração das riquezas naturais e daapropriação indevida dos meios de produção através da exploração da mão de obra (mais-valia).

Hoje a lógica da estrutura imperialista do capitalismo se expande e internacionaliza-se atribuindo-lhes, através da grande mídia,como salvadores dos problemas econômicos do Estado. Chamei de circo no parágrafo anterior para alertar do sistema de leilão adotado pelas grandes corporações que trocam postos de trabalho subvalorizados por benéfices tributárias, que são alimentadas por renuncias fiscais gigantescas que deixam de fomentar políticas públicas necessárias as populações de baixa renda de todo mundo. A lei orçamentaria anual federal previa a renúncia de mais de 14 bilhões e meio de reais para o ano de 2013. Já para 2014 serão mais de 34 bilhões em desoneração em nosso país.

“A luta operária no plano econômico exprimiu-se sobretudo pelas reivindicações de salário, às quais o capitalismo opôs uma resistência encarniçada durante muito tempo. Tendo perdido a batalha nesse plano, ele acabou por adaptar-se a uma economia cujo fato dominante, do ponto de vista da procura, é o acréscimo regular da massa dos salários tornada base de um mercado constantemente ampliado de bens de consumo. Esse tipo de economia em expansão em que vivemos é, no essencial, produto da pressão incessante exercida pela classe operária sobre os salários – e seus problemas principais resultam desse fato… Assim (e também em função de outros fatores) depois de ter resistido muito tempo à ideia da intromissão do Estado nos negócios econômicos (considerada como “revolucionária” e “socialista”) o capitalismo chega finalmente a adotá-la, e a desviar em seu proveito a pressão operária contra as consequências do funcionamento espontâneo da economia, para instaurar, através do Estado, um controle da economia e da sociedade, servindo em fim de contas seus interesses” (Paul Cardan,Socialisme et Barbarie, pág. 93.)

Poderíamos aqui definir a partir dos valores elencados um quantitativo de equipamentos públicos de saúde que poderiam ser construídos com a utilização destes recursos abdicados apenas pelo governo federal. Se incluirmos a desoneração do IPI desde 2009, já incluindo a estimativa de 2014, provocou uma perda de R$ 23,5 bilhões a Estados e municípios.Acontece que o cerne do problema não está na falta de estrutura física, mas sim, na falta de profissionais capacitados a ocuparem vagas necessárias a formação das equipes tanto da atenção básica quanto dos serviços especializados como hospitais, clínicas e centrais de diagnósticos.

Bruno Dominguez em Quando o público financia o privado afirma que em 2011 a desoneração alcançou R$ 15,8 bilhões somente no setor saúde a partir das desonerações do Imposto de Renda de Pessoa Física, do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, da indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos. Os gastos com planos de saúde foram os que mais pesaram: entre 2003 e 2011, respondiam por 40% ou mais do gasto tributário em saúde; em 2011, atingiram quase 50%, envolvendo cerca de R$ 7,7 bilhões dos R$ 15,8 bilhões.

Sendo assim, o direito à saúde não pode ser considerado efetivamente um direito de todos e dever do Estado, em uma sociedade capitalista como a brasileira devido o enfraquecimento do conceito de cidadania, fundamento constitucional que em conjunto com a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho não dialogam com o conceito de mercado. Ao mesmo tempo deve-se levar em consideração a necessidade de se fomentar condições de fixação de trabalhadores a partir das condições necessárias a uma plena qualidade de vida, assim nos grandes centros, o mercado disponibiliza alternativas aos baixos salários com jornadas duplas nos serviços privados.

A mercantilização na saúde sempre esteve diretamente ligada com a formação culturaldo Brasil. Historicamente há uma priorizaçãoda saúde privada individual em detrimento da saúde pública voltada a proteção e promoção da saúde coletiva. Com a constituição de 88 surge um novo conceito desaúde. Um direito fundamental de interessesocial que exige atuação conjugada do Poder Público e da sociedade tanto para defendê-lo comopara implementá-lo. O usuário ainda não reconhece o direito à saúde como um direito social, mas sim uma forma de consumo que pode ser comprado.

O enfraquecimentodas políticas sociais promovidas pela implantação do neoliberalismo com seu modelo político-econômico-privatista, não só eliminou a possibilidade de se erguer um Estado Social como enfraqueceu o conceito de participação-cidadã, antes mesmo da consolidação no Estado brasileiro do sistema único de saúde – SUS que deveria garantir  saúde pública a todoscomo  um  direito,  inserindo apopulação  nos mecanismos de controle social com a finalidade de promover participação e revigorar os direitos sociais.

A falta da concepção do direito social e incompreensão do conceito de saúde pública tornou o acesso a uma política pública fundamental fora da perspectiva social como apenas um produto de mercado. Some-se a ausência de serviços de saúde, sob a égide docapital, os problemas sociais como a fome, as doenças, a desnutrição, o acesso à água potável, o desemprego, a violência e a pobreza extremaum prato cheio ao império do capital que deveriam ser combatidos como política de Estado e com viés inclusivo e não coercitivo.

O problema está na escolha entre o caminho e o atalho. O apetitevoraz das corporações é alimentado pelo Estado favorecendo a expansão imperialista através da abdicação do cumprimento dos seus deveres transferidos ao sistema privado ou serviços regulados pelo direito privado. O sistema econômico capitalista pretere os direitos sociais em prol dos direitos econômicos, ou seja, os direitos sociais serão sempre relegados a segundo plano.

A assimetria de poder criado entre o Estado regulador e as grandes corporações que controlam os serviços de saúdeextrapolam as transações privadas. As atividades da indústria farmacêutica e de equipamentos, a pesquisa, a prestação de serviços, formação de recursos humanose a grande mídia obscurecem a importância social da prevenção, promoção e atenção à saúde dentro da perspectiva de direito social e participação cidadã. Sendo assim a disputa entre a lucratividade imposta pela mercantilização da saúde e a busca pela melhoria dos condicionantes sociais de saúde são antagônicos ao aumento de cobertura de saúde a população.

Para superar estes obstáculos, é necessário expropriar os meios de produção privadosa fim de colocá-los a serviço da população. Basta lembrar que o parque hospitalar privadobrasileiro, foi constituído basicamente mediante o financiamento estatal a fundo perdido. Cabe ressaltar que a contratação de serviços privados de saúde só deveria ser feita de forma a complementar a rede pública no entanto ainda o SUS em regra geral é a garantia de custeio de boa parte dos serviços privados de saúde.

As formas de planejamentos, sem uma prática de contratação de serviços de saúde em nosso país baseada em critérios orientados pela demanda cria restrições e grandes dificuldades na gestão pública. Ao mesmo tempo a ausência de uma política nacional de gestão de pessoas baseadas numa padronização de ações, critérios técnicos e pisos salariais nacionais dificultam a atração de profissionais para as regiões mais distantes do país, deixando desprovidos de serviços importantes parcelas da população.

A Organização Mundial de Saúde – OMS informou que, no Brasil existem apenas 32 profissionais para cada dez mil habitantes, abaixo do número ideal para o acesso universal de cidadãos a serviços de saúde – que é de 34,5 profissionais por dez mil habitantes. No relatório desenvolvido pelo Ministério da Saúde – MS voltados para o enfrentamento da necessidade de prover e fixar profissionais de saúde de forma a favorecer, para toda a população, acesso com qualidade às ações de atenção à saúde soava uníssono a Instituição de Planos de Carreira, Cargos e Salários no âmbito do Sistema Único de Saúde- PCCS-SUS a fim de garantir a presença de profissionais nos mais distantes rincões deste país.

Gilberto Pucca em seu artigo Globalização e mercantilização revela que o SUS embora atenda 75% da população brasileira e ainda assim subsidie o setor privado tem disponíveis ao sistema público apenas o dobro de recursos que possuem as corporações médicas e metade dos médicos na rede pública. A rede privada diferentemente disponibiliza aproximadamente 350 mil leitos em 4300 hospitais com 120 mil médicos cadastradosatendem 41 milhões de pessoas movimentando quase R$ 92,7 bilhões por ano. No SUS são quase 6000 mil leitos em 7000 mil hospitais e apenas 70 mil médicos para o restante da população desprovida de planos de saúde privados ou seja, 75% dos brasileiros.

Esta abissal diferença de recursos existentes entre o sistema público e as organizações privadas e que estão dentro da lógica de mercado ainda incipientes na perspectiva do ataque neoliberal existente em prol do processo de globalização e centralização do mercado da saúde, encontram-se nas mãos das grandes corporações.

O SUS apesar de ser responsável por atender as demandas de ¾ da população brasileira dispõe de menos da metade dos recursos gastos com saúde privada. Com apenas 3,6% doProduto Interno Bruto (PIB) contra 4,9% dosistema privadofica praticamente impossível manter um sistema de cobertura universal e atendimento integral.  Entre os países com sistema público universala média de gastos públicos com saúde representam 70% da despesa total, variando de 67,5% na Austrália a 84,1% na Noruega. Sendo assim torna-se difícil manter um Sistema Único de Saúde onde o gasto privado é maior que o público.

Outra situação que dificulta as ações em saúde do ponto de vista orçamentaria tem sido a judicialização da saúde que em detrimento ou não da ineficiência do setor público permitiu oaumento no número de ações pleiteando tratamentos médicos com base no direito constitucional à saúde. O gasto do MS com medicamentos subiu mais de 5.000% saindo de aproximadamente R$ 5 milhões em 2005 para quase R$ 150 milhões. Esta posição do Judiciário brasileiro sem observar as características do sistema tem proporcionado grandes fissuras no direito à saúde do ponto de vista da saúde coletiva. O direito individual se sobrepondo ao coletivo.

Sem medidas radicais do ponto de vista do direito social, tenderemos a ser engolidos pelo mercado e sua necessidade de crescimento constante ou extinção.  A lei de responsabilidade fiscal tem determinado o fim das políticas de saúde, principalmente nos pequenos municípios sem grandes poderes de investimentos.

A busca pelo atalho tem ao contrário do esperado, auxiliado na extinção do direito à cidadania. Não se consegue a universalização do direito à saúde sendo regulado pelo direito privado como propõe alguns pensadores e gestores mais imediatistas. A terceirização das áreas meio tem recriado a classe inferior de trabalhador a partir da contratação de serviços pelo menor preço com mão-de-obra barata e não especializada. A criação de cartéis de profissionais como as cooperativas médicas vem estrangulando a capacidade de investimentos dos entes federados.

O sub financiamento é a ação derradeira da morte anunciada do SUS. Há tempo de inverter o processo de desconstrução do SUS e somente se resolverá com mais investimentos. Claro que este financiamento tem de ser diferente da proposta atual. A grande dificuldade dos municípios em tocar as políticas públicas de saúde advém da dificuldade de pagamento da folha de pessoal devido à imposição de limites para os gastos com pessoal da lei de responsabilidade fiscal.

A saída primeira para este impasse em relação ao regime prudencial imposto é a mudança na atual estrutura e na legislação de impostos, taxas e contribuições vigente no país, a tão esperada reforma tributária. Não pode o município ser o responsável por toda a execução da política de saúde se em termos de recursos é o que menos recebe de toda a arrecadação de tributos.

A tributação precisa ser distribuída de forma mais igualitária. Carlos Longo em Finanças Públicas mostra a evolução da distribuição dos tributos no país. Em 1964 ao governo federal cabia 39,6 % de toda carga tributária brasileira cabendo aos estados 48,5% e aos municípios 11,9% da arrecadação de tributos do Brasil. Já em 1984 o governo federal embolsava 49,3%, os estados diminuíram a participação para 35,2 % e aos municípios coube apenas 15,2% de todos os tributos arrecadados.

Sendo assim com a capacidade de investimentos diminuída ao longo dos anos e o aumento das responsabilidades a partir da constituição municipalista de 88 torna difícil a possibilidade dos municípios emfomentar os direitos mínimos a população. Gilson Carvalho em seus estudos relata que na década de 80 a União respondia por 75% do financiamento público em Saúde, os Estados por 18% e os Municípios, por 7%. Em 2012, responde apenas por 46%, os Estados aumentaram a participação para 26% e os Municípios, para 28%.

O subfinanciamentoe a precarização do trabalho no SUS via organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público e fundações de apoio vem na prática fomentando a privatização. A entrega ao sistema privatista do “produto”saúde pelos entes federados com a desculpa que o Estado é mal gestor apenas acelera o que o estado neoliberal plantou na década de 90: A DERROCADA DO SUS!


Esta realidade dificílima enfrentada pelos municípios pode ainda piorar com a possibilidade de se retirar parte dos recursos públicos que seriam destinados para a saúde pública com finalidade de gerar um novo ciclo de investimentos em serviços privados a fundo perdido. As longas filas, falta de leitos, falta de medicamentos, ausência de profissionais, estrutura debilitada somente poderá ser resolvida quando deixarmos de consumir um produto e exigirmos um direito. Para isto se faz necessário por parte da sociedade organizada e principalmente por parte dos partidos de esquerda elevarmos o nível da discussão e a ordem de prioridade pois a população já elegeu sua prioridade. De que lado estamos?

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Campo Democrático e Popular entra na Articulação de Esquerda

O Campo Democrático Popular - CDP, coletivo que reunia diversas lideranças do movimento social da cidade e do campo, militantes e dirigentes partidário do Estado do Rio Grande do Norte que durante o PED - Processo de Eleição Direta do PT, construiu com outras forças políticas a Chapa "Novo Tempo" que tinha como candidato a Presidente Estadual o dirigente Olavo Ataíde e nacionalmente estava compondo a Chapa a "Esperança É Vermelha" que apresentava a candidatura a presidência Nacional do PT, o Valter Pomar.

Após um processo de mais de seis meses de debates, discussões programáticas e de intervenção coletiva no PED, a militância do CDP, em conjunto, decidiu pela entrada individual na corrente Articulação de Esquerda - AE. Com sua base social e parlamentar imbuída a oxigenar o campo da esquerda no estado e colaborar para o crescimento da tendência no Rio Grande do Norte e no Brasil.