quinta-feira, 6 de junho de 2013

Proposta de resolução de Conjuntura do Campo Popular - 53º Congresso da UNE


O mundo que vivemos
Para traçar ações políticas que mudem a realidade é necessária uma análise do contexto em que estamos. A conjuntura mundial da segunda década do século XXI já aponta elementos importantes para a reflexão, principalmente com a crise do capitalismo que se desdobra sem resolução desde 2008 e que já tem distúrbios políticos ao redor do mundo como consequência. Essa crise já vem sendo apontada como uma crise estrutural e cabe aos movimentos sociais e à esquerda uma postura proativa e propositiva, que consiga apresentar uma resolução anticapitalista para a encruzilhada onde o capital pôs a humanidade, sob pena de, caso não o faça, ver mais uma adaptação do capitalismo.
Na América Latina, também há sinais de mudança, alguns preocupantes, no cenário político, econômico e social. O mais preocupante é o freio repentino que sofreu a ascensão das esquerdas latinoamericanas aos governos de seus respectivos países. Se, nos dez anos anteriores o que se viu foi uma onda de vitórias eleitorais da esquerda, agora, ela sofre derrotas pelo voto – como no Chile – ou pela força – como em Honduras e Paraguai. Mesmo onde ela ainda permanece no governo, como na Venezuela e na Argentina, nota-se um endurecimento (fortalecimento) das forças conservadoras, que vendem (cobram) muito caro suas derrotas eleitorais.
Como vemos os 10 anos de governo liderados pelo PT
Tendo em vista esses elementos externos, é possível se debruçar com mais cuidado na situação nacional brasileira. Há dez anos com um governo liderado por um partido de esquerda, mas com um grande arco que agrega desde setores que representam interesses populares até representantes dos interesses do grande capital nacional e internacional, o Brasil vive mudanças significativas em uma série de áreas.
Sem medo de errar, pode-se afirmar que muitas dessas mudanças tem sido positivas. Ocorreram melhoras significativas nas condições materiais e na vida cotidiana da população brasileira, sobretudo da classe trabalhadora: a entrada de estudantes de escolas públicas, negr@s e/ou pobres nas universidades é bem maior, inclusive na rede pública, e a ampliação da renda d@s trabalhador@s resultou numa relativa redução da desigualdade social.
Nesses dez anos, o Brasil passou a agir, nas relações internacionais, a partir de outro patamar. Norteado por projetos estratégicos de integração com a América Latina, a África e parte da Ásia, enfatizando a cooperação sul-sul e protagonizando a construção de blocos de países emergentes, com quem o Brasil pouco se relacionava antes. Há, também, um avanço digno de nota no acesso a alguns serviços públicos e na elaboração de políticas estratégicas para o desenvolvimento econômico, como nas áreas de energia e infraestrutura.
Por outro lado, também é impossível deixar de notar as novas contradições geradas por essas circunstâncias, bem como as antigas que não foram enfrentadas. Avaliamos que recuos frente a transformações estruturais da sociedade abre margem para a retomada da organização e influência de setores conservadores mais tradicionais, e outros na base aliada do governo. Podemos ver essa tendência na retomada de agendas de privatização, que vão na contramão do que conquistamos nos últimos anos.
Salta aos olhos a ausência de qualquer reforma estruturante na agenda da política brasileira; nada se avança na reforma política ou das comunicações. Sobretudo, o fato das prioridades muitas vezes contemplarem interesses econômicos de grandes empresas em detrimento da demanda de movimentos populares, como é o caso da reforma agrária, com a prevalência do modelo do agronegócio sobre o da agricultura familiar e da política financeira, em que o compromisso com o pagamento do superávit primário vai na contramão das reais necessidades da população e agrada o capital internacional.
Um novo ciclo de lutas sociais
São preocupantes os limites e políticas apresentados pela ala conservadora, dentro e fora dos governos. A expressão crescente de opiniões conservadoras e, muitas vezes, violenta sobre uma série de temas tem pautado a cena política brasileira de diversas formas, polarizando com as opiniões mais progressistas e, muitas vezes, se sobressaindo em relação a estas. E, embora seja necessário reconhecer a radicalização conservadora da direita, não se pode entrar numa defensiva ideológica frente a ela; é o caso de, justamente, defender e efetivar as pautas políticas progressistas, disputando as consciências da população, para corroer a base de apoio da opinião conservadora, como aconteceu a partir da implementação das cotas, que, dez anos depois, passaram a ter ampla aprovação da população que, antes, a rejeitava.
Para avançar em relação ao que já está posto, superar as contradições das quais o Estado e governos brasileiros tem fugido e dar conta das novas contradições geradas pelas políticas aplicadas nos últimos dez anos é fundamental reafirmar a importância de fortalecer movimentos sociais na defesa incondicional de suas pautas e propostas políticas, bem como a atualização das mesmas, que contribuam nesse sentido.
Nesse sentido, é importante que a UNE defenda a criminalização da homofobia, para além de condenar as declarações absurdas do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), como forma de enfrentar a crescente violência homofóbica. A forte reação ao deputado evangélico permitem trazer para o centro do debate a necessidade de reafirmar o caráter laico do Estado brasileiro.
Também, que consiga pautar o combate à violência contra a mulher, seja ela física, sexual, moral, psicológica ou patrimonial. A garantia dos direitos das mulheres no âmbito do trabalho, da política e da família (espaço privado) não poderá se concretizar sem uma prática vigorosa de combate a todas a ao modelo patriarcal formas de discriminação, diminuição e ataque, físico ou não, à vida das mulheres.
Para enfrentar a questão da segurança, é preciso reafirmar a posição contra a política baseada no encarceramento e repressão. Isso significa combater, ao mesmo tempo, a ideia de redução da maioridade penal, que parte do pressuposto que a prisão é uma solução para o problema da violência; a brutalidade policial, que vitimiza sobretudo jovens negros e das periferias, através dos autos de resistência e do uso do tráfico de drogas como desculpa para um verdadeiro genocídio étnico (pelas mãos da polícia militarizada herança da Ditadura Militar, o que é preciso ser revertido), visto que o número de mortes de jovens brancos tem diminuído e o de jovens negros aumentado; e, por fim, combater também o conceito de guerra às drogas e o grande mito de que a repressão armada tem consequências positivas.
Nesse cenário, é importante destacar também a luta dos movimentos sociais em defesa da memória, verdade e justiça. Alguns aspectos da transição negociada da ditadura para a chamada “nova república” merecem destaque, tendo em vista que a transição democrática brasileira é inconclusa. Resquícios da ditadura militar ainda estão presentes: a lei de anistia, imposta aos movimentos de luta contra a ditadura, precisa ser revisada. O Supremo Tribunal Federal deve reexaminar esse entrave à punição de torturadores e assassinos. Nesse sentido, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) precisa ter o seu período de funcionamento prorrogado por pelo menos 2 (dois) anos, tendo em vista que o primeiro ano da CNV foi basicamente de organização interna.
Defendemos que o relatório produzido pela CNV sirva como base para a revisão da lei de anistia no sentido da punição aos torturadores e indique também proposições que alterem a matriz curricular das unidades de ensino do país, tornando obrigatória uma leitura crítica do período ditatorial.
Reformas estruturantes
Além disso, é preciso colocar em evidência algumas reformas estruturantes e transformações profundas que dizem respeito a contradições para as quais a política brasileira sempre busca atalhos ao invés de respostas. Por exemplo, a concentração da propriedade no âmbito da comunicação por algumas poucas famílias é um fator danoso para o Brasil em muitos aspectos, como o da diversidade da produção e difusão da cultura popular, e também uma das amarras do desenvolvimento social brasileiro. É preciso lembrar que os meios de comunicação de massa são elementos muito importantes para a construção da hegemonia ideológica e, portanto, uma das grandes armas que a direita brasileira tem contra os movimentos populares. E, também, que todas essas medidas já são previstas na Constituição Brasileira, mas, pelo poder que tem as grandes corporações da mídia, jamais foram efetivadas.
A reforma agrária é outro tema no qual há pouco avanço e, por vezes, até retrocesso. Ao contrário de algumas décadas atrás, não é mais apenas contra o latifúndio improdutivo que a luta se coloca, mas também contra o modelo econômico do agronegócio, que, além de ser ambientalmente danoso pelo uso contínuo de agrotóxicos, ainda tem uma produção voltada ao mercado estrangeiro e a alimentos processados, e não ao abastecimento da população brasileira por alimentos de qualidade. O latifúndio brasileiro é a razão de muitas mortes no campo e na cidade, seja pela violência dos capangas, seja pela situação precária da vida daqueles que saíram do campo para a cidade em busca de uma vida melhor e lá apenas encontraram mais pobreza. E, enquanto os ruralistas buscam refinar seus instrumentos legais de legitimação de suas imensas propriedades desmatadas, como no caso do Código Florestal, mudanças de legislação simples como a atualização periódica dos índices de produtividade da terra enfrentam todos os entraves possíveis.
Isso está relacionado ao desmedido poder político que determinados setores econômicos tem no Estado brasileiro. Para transformar esse quadro, deve-se reformular o sistema político para que este possa dar melhores respostas às demandas da sociedade, mais participativo e aberto, sem favorecer aqueles que já detêm um poder econômico. O financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais pode modificar as relações de classe na política brasileira, favorecendo a intervenção dos movimentos sociais, à ampliação da participação da juventude e a lista fechada para as eleições proporcionais (deputados e vereadores) contribui para uma política orientada por ideias e não pelo personalismo, bem como facilita medidas como alternância de gênero e cotas para negr@s e jovens, que podem ajudar a desfazer distorções existentes na composição da classe política brasileira; a extinção do Senado, que tem se mostrado uma das fortalezas conservadoras da sociedade; e a criação de mais mecanismos de participação popular, como o fortalecimento dos projetos de iniciativa popular, plebiscitos, referendos.
A reforma do judiciário brasileiro também deve estar na pauta política. O único poder que quase não tem controle social precisa ser reformulado para que deixe de ser uma arma da manutenção do status quo, da criminalização dos movimentos sociais e da esquerda e da criação de obstáculos às medidas progressistas que podem advir de um sistema político reformado.
Por fim, um tema estratégico para a nação brasileira é o destino que terá o petróleo brasileiro. Em que pese a defesa de fontes de energia mais limpas, o Brasil tem uma quantidade considerável de um dos bens mais disputados do planeta, e isso não é pouco. Por isso, em defesa do uso do petróleo para os interesses nacionais, é fundamental reafirmar que a União Nacional dos Estudantes avalia como fundamental ter uma Petrobrás 100% estatal e pública. Isso significa combater a prática de leilões de petróleo e gás, desenvolvendo ciência e tecnologia nacional própria para a exploração dessa importante riqueza. É isso que pode garantir, inclusive, a principal pauta política do movimento nos últimos anos: o investimento de 10% do Produto Interno Bruto na educação.

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