domingo, 25 de janeiro de 2015

Desafios da luta pelo transporte público na Grande Natal

Por Pedro Feitoza*

Início de ano e nada mudou em Natal quando a questão é transporte público. O velho e nada bom “bate-bola” entre a Prefeitura da cidade e o SETURN (Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros do Município do Natal) para “melhorar” o sistema de transporte já começou e anda a passos largos, seguindo a mesma trajetória de sempre (veja rápido texto de Daniel Menezes).

Em resumo, o SETURN quer um aumento imediato das tarifas (R$2,80), enquanto a Prefeitura propõe antes a abertura do edital de licitação para os próximos 20 anos (!). O curioso é que a nova proposta de licitação inclui a diminuição do número de linhas e de ônibus, ao mesmo tempo que promete aumentar a cobertura e qualidade do serviço. De acordo com o relatório do consultor Ricardo Medanha, na rede atual, o sistema conta com 80 linhas de ônibus e 726 ônibus, sendo 622 em operação. Já na rede que será licitada, serão 78 linhas e 629 ônibus, sendo 591 em operação. A proposta de aumento de tarifa segue baseada em relatórios fornecidos pelo SETURN.

Assim como o jogo político é igual, o resultado será o mesmo: aumento de tarifa sem dimensão real dos custos e lucros dos empresários. E sem qualquer melhoria significativa de qualidade do serviço. Sempre na conta das trabalhadoras e trabalhadores.

A única forma de impedir o resultado que se repete há anos é se aqueles que pagam a conta puderem dar uma resposta efetiva que mude a lógica do transporte público, tratando-o como um direito. E essa resposta só pode vir da luta cotidiana que se expresse através das ruas. Há alguns anos que a cidade vem construindo uma história de mobilização, atos e manifestações contra os aumentos das tarifas (como o Movimento Passe Livre, o #ForaMicarla e a Revolta do Busão). História que movimentou diversos atores políticos e obteve algumas conquistas. As exigências das lutas anteriores permanecem, ou seja, é preciso unificar os movimentos progressistas em torno de uma pauta comum e também ocupar as ruas. No entanto, a partir daí, o caminho seguido pelos movimentos tem se mostrado equivocado. É necessário que as/os militantes, as organizações políticas e as entidades estudantis tenham a maturidade de repensar a luta que tem travado e seguir novos rumos.

Terça-feira, dia 27, haverá uma reunião em que estão convidados todos os movimentos sociais, organizações políticas, partidos políticos, sindicatos, entidades estudantis, trabalhadoras e trabalhadores para rearticular a luta na cidade. A reunião ocorrerá no Diretório Central de Estudantes da UFRN, às 17h. 


Apresento aqui quatro proposições que podem ajudar nas discussões.

Primeiro, é importante ampliar o movimento para além das entidades estudantis. A luta por um transporte público de qualidade não diz respeito apenas às/aos estudantes, mas a toda população da região metropolitana, sobretudo para quem o custo da passagem pesa significativamente ao fim do mês. Em São Paulo, o MPL passou a colher melhores resultados quando optou por construir a luta também nas periferias da cidade. "Para derrubar a tarifa, não vão bastar grandes marchas no centro. Vai ser preciso que quem estiver indignado com o aumento se organize, se reúna em seus bairros para discutir os rumos da luta e planejar ações. Essa luta é de toda população”, diz uma mensagem do MPL/SP feita para convocar ativistas nas redes sociais.

Segundo, é preciso construir pautas propositivas, ao invés de simples negações como “contra o aumento da tarifa”. Não é eficaz construir uma luta nas ruas apenas em breves irrupções, quando existem ameaças de aumento de tarifa. Fazer isso é justamente cair nos joguetes do SETURN. Em minha análise, é preciso exigir a instauração de uma CEI por parte da Câmara Municipal para investigar como de fato funciona o sistema de transportes (similar à ocorrida ano passado em São Paulo, que apurou uma série de irregularidades, veja aqui. Outra exigência seria uma auditoria nas contas das empresas a ser realizada em parceria com órgãos como o Ministério Público e a UFRN. A transparência é essencial na resolução de problemas públicos. Em Curitiba, há o site Tarifômetro, que deixa disponível os gastos com mão de obra, impostos, e não há dúvida para cálculo da tarifa. Para além disso, vejo com bons olhos a solução de se criar uma empresa pública de transportes que faça a gestão direta do sistema.

Terceiro, articular várias instituições em torno da mesma luta. Não basta apenas ocupar as ruas, é necessário convocar Instituições de Ensino e Pesquisa, como a UFRN e o IFRN para compor estudos que possam sugerir novas soluções. Mas sobretudo, é urgente convocar os mandatos de partidos na Câmara Municipal para articular intervenções unificadas, além de ampliar a voz do movimento.

Por último e o que considero mais importante: é preciso devolver esperança às pessoas de que é possível construir uma cidade mais justa. E isso só será feito se houver a construção de um diálogo direto e sincero com a população que permita a todos os usuários e usuárias do transporte público perceberem que essa luta também é deles e delas.

*Pedro Feitoza é Mestre em Direito pela Universidade de Brasília e militante da Juventude da Articulação de Esquerda (Partido dos Trabalhadores)