Com a adoção de um sistema
econômico baseado nos planos quinquenais, Stalin na antiga União Soviética,
tornava o desenvolvimento fabril soviete num sistema de exploração idêntico ao
que já prevalecia no ocidente. Em tese, Trotsky alegava que não era abandono do
socialismo mas sim um aparato estatal degenerado, usurpador e cheio de privilégios. Nada mais nada menos a
revolução russa fora substituída por um regime onde trabalhadores eram
explorados para o desenvolvimento do governo stalinista.
Os interesses econômicos representados pelos monopólios industriais e/ou
pelo capitalismo de estado apresentados como transnacionais e acobertadas pela
máquina estatal encontram-se, como um parasita, em busca da exploraçãoda
humanidade. A fim de maximizar seus lucros o grande
capital arma seu circo onde melhor poderá obterseus lucros, independentemente
das consequências derivadas da exploração das riquezas naturais e daapropriação
indevida dos meios de produção através da exploração da mão de obra
(mais-valia).
Hoje a lógica da estrutura imperialista do capitalismo se expande e
internacionaliza-se atribuindo-lhes, através da grande mídia,como salvadores
dos problemas econômicos do Estado. Chamei de circo no parágrafo anterior para
alertar do sistema de leilão adotado pelas grandes corporações que trocam
postos de trabalho subvalorizados por benéfices tributárias, que são alimentadas
por renuncias fiscais gigantescas que deixam de fomentar políticas públicas
necessárias as populações de baixa renda de todo mundo. A lei orçamentaria
anual federal previa a renúncia de mais de 14 bilhões e meio de reais para o
ano de 2013. Já para 2014 serão mais de 34 bilhões em desoneração em nosso país.
“A luta operária no plano econômico exprimiu-se
sobretudo pelas reivindicações de salário, às quais o capitalismo opôs uma
resistência encarniçada durante muito tempo. Tendo perdido a batalha nesse
plano, ele acabou por adaptar-se a uma economia cujo fato dominante, do ponto
de vista da procura, é o acréscimo regular da massa dos salários tornada base
de um mercado constantemente ampliado de bens de consumo. Esse tipo de economia
em expansão em que vivemos é, no essencial, produto da pressão incessante exercida
pela classe operária sobre os salários – e seus problemas principais resultam
desse fato… Assim (e também em função de outros fatores) depois de ter
resistido muito tempo à ideia da intromissão do Estado nos negócios econômicos
(considerada como “revolucionária” e “socialista”) o capitalismo chega
finalmente a adotá-la, e a desviar em seu proveito a pressão operária contra as consequências do funcionamento
espontâneo da economia, para instaurar, através do Estado, um controle da
economia e da sociedade, servindo em fim de contas seus interesses” (Paul
Cardan,Socialisme et
Barbarie, pág. 93.)
Poderíamos aqui definir a
partir dos valores elencados um quantitativo de equipamentos públicos de saúde
que poderiam ser construídos com a utilização destes recursos abdicados apenas
pelo governo federal. Se incluirmos a desoneração do IPI desde 2009, já incluindo
a estimativa de 2014, provocou uma perda de R$ 23,5 bilhões a Estados e
municípios.Acontece que o cerne do problema não está na falta de estrutura
física, mas sim, na falta de profissionais capacitados a ocuparem vagas
necessárias a formação das equipes tanto da atenção básica quanto dos serviços especializados
como hospitais, clínicas e centrais de diagnósticos.
Bruno Dominguez em Quando o
público financia o privado afirma que em 2011 a desoneração alcançou R$ 15,8
bilhões somente no setor saúde a partir das desonerações do Imposto de Renda de
Pessoa Física, do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, da indústria
farmacêutica e de hospitais filantrópicos. Os gastos com planos de saúde foram
os que mais pesaram: entre 2003 e 2011, respondiam por 40% ou mais do gasto
tributário em saúde; em 2011, atingiram quase 50%, envolvendo cerca de R$ 7,7
bilhões dos R$ 15,8 bilhões.
Sendo assim, o direito à
saúde não pode ser considerado efetivamente um direito de todos e dever do
Estado, em uma sociedade capitalista como a brasileira devido o enfraquecimento
do conceito de cidadania, fundamento constitucional que em conjunto com a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho não dialogam com o
conceito de mercado. Ao mesmo tempo deve-se levar em consideração a necessidade
de se fomentar condições de fixação de trabalhadores a partir das condições
necessárias a uma plena qualidade de vida, assim nos grandes centros, o mercado
disponibiliza alternativas aos baixos salários com jornadas duplas nos serviços
privados.
A mercantilização na saúde sempre
esteve diretamente ligada com a formação culturaldo Brasil. Historicamente há
uma priorizaçãoda saúde privada individual em detrimento da saúde pública
voltada a proteção e promoção da saúde coletiva. Com a constituição de 88 surge
um novo conceito desaúde. Um direito fundamental de interessesocial que exige
atuação conjugada do Poder Público e da sociedade tanto para defendê-lo comopara
implementá-lo. O usuário ainda não reconhece o direito à saúde como um direito
social, mas sim uma forma de consumo que pode ser comprado.
O enfraquecimentodas
políticas sociais promovidas pela implantação do neoliberalismo com seu modelo
político-econômico-privatista, não só eliminou a possibilidade de se erguer um
Estado Social como enfraqueceu o conceito de participação-cidadã, antes mesmo da
consolidação no Estado brasileiro do sistema único de saúde – SUS que deveria garantir saúde pública a todoscomo um
direito, inserindo
apopulação nos mecanismos de controle
social com a finalidade de promover participação e revigorar os direitos
sociais.
A falta da concepção do
direito social e incompreensão do conceito de saúde pública tornou o acesso a
uma política pública fundamental fora da perspectiva social como apenas um
produto de mercado. Some-se a ausência de serviços de saúde, sob a égide
docapital, os problemas sociais como a fome, as doenças, a desnutrição, o
acesso à água potável, o desemprego, a violência e a pobreza extremaum prato
cheio ao império do capital que deveriam ser combatidos como política de Estado
e com viés inclusivo e não coercitivo.
O problema está na escolha
entre o caminho e o atalho. O apetitevoraz das corporações é alimentado pelo
Estado favorecendo a expansão imperialista através da abdicação do cumprimento
dos seus deveres transferidos ao sistema privado ou serviços regulados pelo
direito privado. O sistema econômico capitalista pretere os direitos sociais em
prol dos direitos econômicos, ou seja, os direitos sociais serão sempre
relegados a segundo plano.
A assimetria de poder criado
entre o Estado regulador e as grandes corporações que controlam os serviços de
saúdeextrapolam as transações privadas. As atividades da indústria farmacêutica
e de equipamentos, a pesquisa, a prestação de serviços, formação de recursos
humanose a grande mídia obscurecem a importância social da prevenção, promoção
e atenção à saúde dentro da perspectiva de direito social e participação
cidadã. Sendo assim a disputa entre a lucratividade imposta pela
mercantilização da saúde e a busca pela melhoria dos condicionantes sociais de saúde
são antagônicos ao aumento de cobertura de saúde a população.
Para superar estes obstáculos,
é necessário expropriar os meios de produção privadosa fim de colocá-los a
serviço da população. Basta lembrar que o parque hospitalar privadobrasileiro,
foi constituído basicamente mediante o financiamento estatal a fundo perdido. Cabe
ressaltar que a contratação de serviços privados de saúde só deveria ser feita
de forma a complementar a rede pública no entanto ainda o
SUS em regra geral é a garantia de custeio de boa parte dos serviços
privados de saúde.
As formas de planejamentos, sem uma prática de
contratação de serviços de saúde em nosso país baseada em critérios orientados
pela demanda cria restrições e grandes dificuldades na gestão pública. Ao mesmo
tempo a ausência de uma política nacional de gestão de pessoas baseadas numa
padronização de ações, critérios técnicos e pisos salariais nacionais
dificultam a atração de profissionais para as regiões mais distantes do país,
deixando desprovidos de serviços importantes parcelas da população.
A Organização Mundial de
Saúde – OMS informou que, no Brasil existem apenas 32 profissionais para cada dez
mil habitantes, abaixo do número ideal para o acesso universal de cidadãos a
serviços de saúde – que é de 34,5 profissionais por dez mil habitantes. No
relatório desenvolvido pelo Ministério da Saúde – MS voltados para o
enfrentamento da necessidade de prover e fixar profissionais de saúde de forma
a favorecer, para toda a população, acesso com qualidade às ações de atenção à
saúde soava uníssono a Instituição de Planos de Carreira, Cargos e Salários no
âmbito do Sistema Único de Saúde- PCCS-SUS a fim de garantir a presença de
profissionais nos mais distantes rincões deste país.
Gilberto Pucca em seu artigo
Globalização e mercantilização
revela que o SUS embora atenda 75% da população brasileira e ainda assim subsidie
o setor privado tem disponíveis ao sistema público apenas o dobro de recursos
que possuem as corporações médicas e metade dos médicos na rede pública. A rede
privada diferentemente disponibiliza aproximadamente 350 mil leitos em 4300
hospitais com 120 mil médicos cadastradosatendem 41 milhões de pessoas
movimentando quase R$ 92,7 bilhões por ano. No SUS são quase 6000 mil leitos em
7000 mil hospitais e apenas 70 mil médicos para o restante da população
desprovida de planos de saúde privados ou seja, 75% dos brasileiros.
Esta abissal diferença de
recursos existentes entre o sistema público e as organizações privadas e que
estão dentro da lógica de mercado ainda incipientes na perspectiva do ataque
neoliberal existente em prol do processo de globalização e centralização do
mercado da saúde, encontram-se nas mãos das grandes corporações.
O SUS apesar de ser
responsável por atender as demandas de ¾ da população brasileira dispõe de
menos da metade dos recursos gastos com saúde privada. Com apenas 3,6% doProduto
Interno Bruto (PIB) contra 4,9% dosistema privadofica praticamente impossível
manter um sistema de cobertura universal e atendimento integral. Entre os países com sistema público
universala média de gastos públicos com saúde representam 70% da despesa total,
variando de 67,5% na Austrália a 84,1% na Noruega. Sendo assim torna-se difícil
manter um Sistema Único de Saúde onde o gasto privado é maior que o público.
Outra situação que dificulta
as ações em saúde do ponto de vista orçamentaria tem sido a judicialização da
saúde que em detrimento ou não da ineficiência do setor público permitiu oaumento
no número de ações pleiteando tratamentos médicos com base no direito
constitucional à saúde. O gasto do MS com medicamentos subiu mais de 5.000% saindo
de aproximadamente R$ 5 milhões em 2005 para quase R$ 150 milhões. Esta posição
do Judiciário brasileiro sem observar as características do sistema tem
proporcionado grandes fissuras no direito à saúde do ponto de vista da saúde
coletiva. O direito individual se sobrepondo ao coletivo.
Sem medidas radicais do
ponto de vista do direito social, tenderemos a ser engolidos pelo mercado e sua
necessidade de crescimento constante ou extinção. A lei de responsabilidade fiscal tem
determinado o fim das políticas de saúde, principalmente nos pequenos
municípios sem grandes poderes de investimentos.
A busca pelo atalho tem ao
contrário do esperado, auxiliado na extinção do direito à cidadania. Não se
consegue a universalização do direito à saúde sendo regulado pelo direito
privado como propõe alguns pensadores e gestores mais imediatistas. A
terceirização das áreas meio tem recriado a classe inferior de trabalhador a
partir da contratação de serviços pelo menor preço com mão-de-obra barata e não
especializada. A criação de cartéis de profissionais como as cooperativas
médicas vem estrangulando a capacidade de investimentos dos entes federados.
O sub financiamento é a ação
derradeira da morte anunciada do SUS. Há tempo de inverter o processo de
desconstrução do SUS e somente se resolverá com mais investimentos. Claro que
este financiamento tem de ser diferente da proposta atual. A grande dificuldade
dos municípios em tocar as políticas públicas de saúde advém da dificuldade de
pagamento da folha de pessoal devido à imposição de limites para os gastos com
pessoal da lei de responsabilidade fiscal.
A saída primeira para este
impasse em relação ao regime prudencial imposto é a mudança na atual estrutura
e na legislação de impostos, taxas e contribuições vigente no país, a tão
esperada reforma tributária. Não pode o município ser o responsável por toda a
execução da política de saúde se em termos de recursos é o que menos recebe de
toda a arrecadação de tributos.
A tributação precisa ser
distribuída de forma mais igualitária. Carlos Longo em Finanças Públicas mostra
a evolução da distribuição dos tributos no país. Em 1964 ao governo federal cabia
39,6 % de toda carga tributária brasileira cabendo aos estados 48,5% e aos
municípios 11,9% da arrecadação de tributos do Brasil. Já em 1984 o governo
federal embolsava 49,3%, os estados diminuíram a participação para 35,2 % e aos
municípios coube apenas 15,2% de todos os tributos arrecadados.
Sendo assim com a capacidade
de investimentos diminuída ao longo dos anos e o aumento das responsabilidades
a partir da constituição municipalista de 88 torna difícil a possibilidade dos
municípios emfomentar os direitos mínimos a população. Gilson Carvalho em seus
estudos relata que na década de 80 a União respondia por 75% do financiamento
público em Saúde, os Estados por 18% e os Municípios, por 7%. Em 2012, responde
apenas por 46%, os Estados aumentaram a participação para 26% e os Municípios,
para 28%.
O subfinanciamentoe a
precarização do trabalho no SUS via organizações sociais, organizações da
sociedade civil de interesse público e fundações de apoio vem na prática
fomentando a privatização. A entrega ao sistema privatista do “produto”saúde
pelos entes federados com a desculpa que o Estado é mal gestor apenas acelera o
que o estado neoliberal plantou na década de 90: A DERROCADA DO SUS!
Esta realidade dificílima
enfrentada pelos municípios pode ainda piorar com a possibilidade de se retirar
parte dos recursos públicos que seriam destinados para a saúde pública com
finalidade de gerar um novo ciclo de investimentos em serviços privados a fundo
perdido. As longas filas, falta de leitos, falta de medicamentos, ausência de
profissionais, estrutura debilitada somente poderá ser resolvida quando
deixarmos de consumir um produto e exigirmos um direito. Para isto se faz
necessário por parte da sociedade organizada e principalmente por parte dos
partidos de esquerda elevarmos o nível da discussão e a ordem de prioridade
pois a população já elegeu sua prioridade. De que lado estamos?
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