quinta-feira, 4 de julho de 2013

Dez anos de governo do PT: caráter de classe e relação com a política neoliberal

Por Valter Pomar (Membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores e secretário-executivo do Foro de São Paulo)

O PT ganhou as eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010. No final de 2012, decidiu que organizaria no ano de 2013 um processo de avaliação dos últimos 10 anos. Na direção do Partido dos Trabalhadores houve uma polêmica acerca do nome da atividade.

O título proposto inicialmente - "Dez anos de governos petistas" - não agradou a gregos e troianos; ou seja, não agradou aos que desejavam valorizar a presença de aliados, nem aos que desejavam questionar a influência de políticas contraditórias com o PT.

As alternativas "governos de esquerda" e "governos democrático-populares" padeciam do mesmo problema. Ao final, a direção optou por um título descritivo: "Dez anos de governos encabeçados pelo PT".

Depois veio um marqueteiro e preferiu falar de "dez anos que mudaram o Brasil". E essa foi a linha que acabou predominando  no ciclo de debates promovido pelo PT: o elogio às transformações que teriam ocorrido  no Brasil desde o início de 2003.

A ideia de que teriam ocorrido transformações substanciais é criticada pela oposição, tanto de esquerda quanto de direita. Ambos os setores consideram que predominou a continuidade, elogiada por alguns e criticada por outros.

É fato que a economia e a sociedade brasileira continuam sob a hegemonia do neoliberalismo, ou seja, basicamente sob a hegemonia do capital financeiro. Este também possui enorme influência político e ideológica, embora seus candidatos preferidos tenham sido derrotados nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010. Cabe lembrar, ainda, que as privatizações não foram revertidas.

Que os governos Lula e Dilma fizeram concessões ao neoliberalismo, ninguém duvida. Daí não decorre, contudo, que a ação do governo Lula e Dilma possa ser caracterizada como neoliberal. Se isso fosse verdade, provavelmente hoje teríamos grandes manifestações por emprego e salário percorrendo as ruas do Brasil.

Isto posto, o que dizer sobre os "Dez anos de governo do PT: caráter de classe e relação com a política neoliberal"?


Primeiro, não foram dez anos de "governo do PT", mas sim dez anos de governos de coalizão política e social. Politicamente, uma coalizão com partidos de esquerda, centro e direita. Socialmente, uma coalizão entre setores da classe trabalhadora e setores do capital.

Claro que a presidência era petista, assim como foi uma decisão da maioria do PT compor um governo de coalizão com aquelas características. Mas o grau de influência do PT sobre o governo foi variável: organicamente, foi maior até 2005 e menor desde então; programaticamente, foi menor até 2005 e maior até 2010, oscilando desde então. Reitero, para que não se pense que há erro de revisão: entre 2003 e 2005, quando foi maior a influência orgânica do PT sobre o governo, foi paradoxalmente menor sua influência programática, prevalecendo então as diretrizes da "Carta aos Brasileiros". Já depois de 2005, quando o PT encontra-se abalado pela crise, o governo Lula faz uma inflexão à esquerda e aproxima-se mais do programa de governo aprovado em dezembro de 2001, no encontro do partido em Recife (PE).

Ajuda a entender compreender que convivem e disputam, no interior do PT, pelo menos quatro grandes correntes ideológicas: o social-liberalismo, o nacional-desenvolvimentismo, a social-democracia neoclássica e o socialismo.

O social-liberalismo foi hegemônico no governo entre 2003 e 2005, a tal ponto que o então ministro da fazenda Antonio Palocci elogiava a herança deixada por Fernando Henrique. A crise de 2005, a reação do PT nas eleições internas do mesmo ano, a recuperação da presidência da Câmara dos Deputados e, principalmente, o segundo turno da campanha presidencial de 2006 impuseram outra hegemonia no governo. Ironicamente, não será o socialismo, nem a social-democracia, quem assumirá a hegemonia sob o governo, mas, sim, o nacional-desenvolvimentismo expresso na dupla Dilma Roussef e Guido Mantega.

O sucesso do governo Lula, a rigor, é constituído pelos feitos do seu segundo mandato. E os limites do segundo mandato são, em grande medida, decorrência da herança social-liberal, expressa entre 2006 e 2010 não mais por Palocci, mas pelo fiador do acordo com o capital financeiro, o ministro (!) presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

A posse de Dilma inaugura um terceiro período, bastante distinto do anterior: os impactos da crise internacional, a mudança de atitude do grande capital, os limites da capacidade de financiamento simultâneo das políticas públicas e de desenvolvimento, levam o governo a travar uma batalha contra o setor financeiro.

Apesar da redução da taxa de juros, a batalha não vai até o fim; ou seja, não consegue libertar o conjunto da economia da dependência frente ao capital financeiro. Em decorrência, o setor financeiro e seus aliados reagem, as taxas de crescimento caem, a inflação volta e o governo busca enfrentar a situação através de uma rodada de concessões ao grande capital em geral e ao capital financeiro em particular. Mas o reclamo dos grandes capitalistas é mais amplo: não querem apenas políticas ao seu favor, querem também políticas contra a classe trabalhadora. Mais exatamente, querem reverter o conjunto de conquistas sociais e econômicas que a classe trabalhadora obteve ao longo dos dez anos de Lula e Dilma.

É sabido que, apesar de tais conquistas, a desigualdade segue brutal; mas ainda assim, a burguesia quer sua reversão; isto diz muito sobre a  natureza do capitalismo e da burguesia que temos em nosso país.

Em resumo: 2003-2005, social-liberalismo; 2005-2010, inflexão nacional-desenvolvimentista; 2011 até hoje, um zig-zag ao redor de uma intenção nacional-desenvolvimentista.

Vale repetir, também, que a ação do governo se deu e continua se dando nos marcos de uma hegemonia neoliberal, que ainda não foi superada. E que o governo é produto de vitórias eleitorais legítimas e expressivas, mas que não produziram uma hegemonia política "sustentável", para usar a palavra da hora. Por isto, a Presidência é ocupada por um petista, mas o parlamento é majoritariamente de centro-direita, a justiça é conservadora, a mídia é oligopolizada, e amplos setores do aparato de Estado continuam colonizados.

Aos fatores "internos", é preciso adicionar os "externos": a partir de 2007 as classes dominantes do eixo EUA-UE enfrentam a crise quebrando os direitos de suas classes trabalhadoras e ampliando a pressão sobre os países periféricos, Brasil inclusive. Isto reduz a margem de manobra das políticas adotadas a partir da inflexão desenvolvimentista de 2006. E empurra o governo para uma disjuntiva: ou bem aposta no "desenvolvimentismo privado", sabendo que o grande capital só vai corresponder aos apelos e aos incentivos que lhe são ofertados se estes vierem acompanhados de desemprego, redução de salários e de políticas sociais; ou bem avanço no sentido de um "desenvolvimentismo democrático-popular", ou seja, alicerçado em reformas estruturais que afetam os parâmetros de renda, riqueza, propriedade e poder existentes na sociedade brasileira.

Evidentemente, um "desenvolvimentismo" desta natureza provocaria conflitos de classe de outro tipo na sociedade brasileira, gerando uma dinâmica que tornaria o socialismo uma matriz alternativa realista, prática, concreta, para nossos dilemas fundamentais. É exatamente por perceber esta possibilidade, ou risco do seu ponto de vista, que setores cada vez mais amplos da direita são ideologicamente ouriçados, difundindo propaganda anticomunista, vendo um "chavista" em cada esquina e fomentando um comportamento de viés fascista nos setores médios.

Estamos vivendo, hoje, algo similar ao experimentado nas fases de crises dos experimentos populistas (baseados na aliança entre os setores dos trabalhadores e do empresariado, em favor de uma política de desenvolvimento industrial), exatamente quando setores importantes da burguesia passavam à oposição total, arrastando atrás de si setores médios e, às vezes, neutralizando setores da classe trabalhadora.

Neste sentido, embora o neoliberalismo não esteja morto, nem no Brasil nem fora, ele constitui o único inimigo ideológico, política e econômico-social da classe trabalhadora. O desenvolvimentismo conservador, que não altera os parâmetros de riqueza e poder, que pelo contrário aprofunda a desigualdade e a dependência, nos marcos de uma democracia restrita, também é nosso inimigo. E, a julgar pela história do Brasil, tende a ser o inimigo fundamental, no longo prazo.

Até porque amplos setores da burguesia sabem muito bem a importância do Estado e sua importância para o desenvolvimento capitalista em geral e para seus interesses particulares. A mesma compreensão falta para setores da esquerda, que parecem acreditar demais no "espírito animal" dos capitalistas.

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Nota da Editoria
02 de julho de 2013

As mobilizações em curso (Um novo tempo, apesar dos perigos) podem nos ajudar a defender a ampliação dos direitos sociais, contra a ortodoxia fiscal. Ajudar a fazer a reforma política, contra o conservadorismo do atual parlamento brasileiro. Ajudar a colocar as reformas estruturais na pauta política do país. Aliás, um dos saldos deste processo é nos lembrar, a todos, que a correlação de forças e a agenda política do país podem ser alteradas e que a luta de massas tem esta capacidade.

Sem reforma política e democratização da comunicação, não terá futuro a estratégia política defendida pelo PT. Posto de outra maneira, não há como prosseguir mudando o país, sem mudar as instituições estatais brasileiras. E não há como fazer esta alteração apenas de dentro para fora: é preciso que a pressão social entre em cena. Infelizmente, esta pressão não surgiu por nossa iniciativa; mas felizmente surgiu. Por isto consideramos que foi absolutamente correto apontar o Plebiscito e a Constituinte como caminhos para canalizar a pressão social.

Claro que a direita repudia o Plebiscito e a Constituinte, porque temem que a pressão das ruas produza uma reforma política que lhes tire do poder. Claro, também, que a direita direcionar a insatisfação social em direção aos partidos de esquerda, ao PT e ao governo Dilma. A direita pode fazê-lo, pois os partidos são para ela parte totalmente secundária de seus aparatos de poder (entre os quais destacam-se o oligopólio da mídia, mas também as casamatas incrustadas dentro do aparato do Estado). Nossa resposta deve ser defender, não os partidos em geral, não a política em geral, mas a política e os partidos vinculados aos interesses da maioria do povo. E defendemos defender e fortalecer nosso governo, a começar pela presidenta Dilma. Da mesma forma, defendemos defender e reafirmar nosso passado e os êxitos de nossos governos, defender nossa ação presente, mas reconhecendo nossas contradições, equívocos e debilidades. Mas devemos, sobretudo, dar ênfase ao futuro, ao Brasil que queremos. E apontar com clareza qual a base de nossas dificuldades: o capital financeiro, as transnacionais, o agronegócio, o latifúndio trandicional, o oligopólio da mídia, o controle dos setores privados sobre largos setores do aparato de Estado, a mercantilização da política. Motivo pelo qual é mais atual que nunca a pauta das grandes reformas estruturais, como a agrária e urbana, a democratização da mídia e da política, a ampliação das políticas públicas e do papel do Estado.

A disputa das ruas começa nas telas da TV. O governo brasileiro está convocando a alterar imediatamente a sua política de comunicação.

O centro da tática é, neste momento, disputar e vencer o plebiscito, que pode criar as condições institucionais necessárias não apenas para reeleger Dilma, mas para fazê-lo de forma a que o segundo mandato seja superior ao primeiro.

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