sábado, 25 de maio de 2013

Uma resolução que incomodou muita gente

Decisão do PT de criticar recuo do governo diante da mídia gera críticas… da mídia e do governo

Por Pedro Estevam da Rocha Pomar

A resolução “Democratização da Mídia é urgente e inevitável”, aprovada pelo Diretório Nacional do PT em Fortaleza, no dia 1º/3, incomodou determinados interesses, como era previsível, ao criticar as políticas que vêm sendo adotadas pelo Ministério das Comunicações (MinCom) e que frustram as expectativas históricas do partido e dos movimentos sociais.

O texto do DNPT abordou pontos cruciais das questões relacionadas à mídia no Brasil, logo depois que o MinCom anunciou sua decisão de adiar indefinidamente a implantação do marco regulatório das comunicações — desistindo, assim, de enfrentar os conglomerados da mídia: Globo, Abril, Record, SBT, RBS e outros. A capitulação do governo perante essas grandes empresas foi chocante, não apenas em razão das expectativas alimentadas pela Conferência Nacional de Comunicação (Confecom, 2009), mas igualmente pela sucessão recente de episódios de manipulação e distorção protagonizados por elas.

O MinCom também divulgou um pacote de benefícios fiscais destinados às empresas de telecomunicações, ou “teles”, sinalizando sua intenção de investir no setor privado e de desinvestir na Telebrás, que havia sido recriada pelo governo Lula. As desonerações previstas são de R$ 6 bilhões, mas além disso o governo cogita de repassar às empresas, na forma de incentivo, os equipamentos e outros bens que pertencem ao espólio da antiga Telebrás, estimados em R$ 17 bilhões. Desse modo, o governo optou por um modelo de Internet Banda Larga que favorece as “teles”, em detrimento do modelo aprovado na Conferência Nacional de Comunicação, em 2009.

Apoio ao FNDC

Os principais pontos da resolução “Democratização da Mídia é urgente e inevitável” são os seguintes:

1) exorta o governo a rever a atitude do MinCom e a dar “início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país”;

2) conclama o governo a rever o pacote de isenções concedido às “teles”; a “reiniciar o processo de recuperação da Telebrás”; e a “manter a neutralidade da Internet (igualdade de acesso, ameaçada por grandes interesses comerciais)”;

3) apoia “a iniciativa de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para um novo marco regulatório das comunicações, proposto pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), pela CUT e outras entidades, conclamando a militância do Partido dos Trabalhadores a se juntar decididamente a essa campanha”;

4) convoca a “Conferência Nacional Extraordinária de Comunicação do PT, a ser realizada ainda em 2013, com o tema Democratizar a Mídia e ampliar a liberdade de expressão, para Democratizar o Brasil”.

Desse modo, além de tornar pública uma posição diferenciada relativamente ao governo, no que diz respeito à questão da mídia, o PT tomou medidas para orientar sua própria militância, reforçando a posição dos movimentos sociais que lutam para democratizar o sistema de comunicação no país. O apoio à campanha por um projeto de lei de regulação da mídia de Iniciativa Popular, lançada pelo FNDC, cuja coordenação-geral é exercida pela CUT, pode ser um “empurrão” muito positivo nessa proposta.

Por outro lado, ao convocar uma conferência extraordinária sobre o tema, o partido mostra disposição para atualizar sua própria agenda política, sem ficar à mercê do governo. Caberá à militância petista, agora, viabilizar a conferência e torná-la produtiva.

Ingleses?

Tão logo foi divulgada a resolução “Democratização da Mídia é urgente e inevitável”, começaram a surgir, nos jornais comerciais, críticas e comentários depreciativos. Determinadas “fontes petistas” citadas pela Folha de S. Paulo, por exemplo, teriam minimizado o alcance da resolução, classificada como “para inglês ver”. Uma afirmativa que certamente ignora o grau de irritação existente, no partido, relativamente à benevolência do governo com os conglomerados de mídia.

O jornal O Estado de S. Paulo, por sua vez, dedicou editorial ao assunto, quase imediatamente (5/3), criticando o atrevimento do PT: “O que significa, exatamente, ‘democratização’ dos meios de comunicação, que o Partido dos Trabalhadores tão insistentemente reclama? … A presidente Dilma Rousseff já cansou de repetir que restrições à liberdade de imprensa estão fora de cogitação em seu governo. Mas o PT insiste, como fez mais uma vez na última sexta-feira, por meio de resolução aprovada por seu Diretório Nacional … Com base nessa resolução o PT vai aderir a uma campanha nacional de coleta de assinaturas para a apresentação de projeto popular que defina um novo marco regulatório das comunicações”.

Depois de qualificar a Confecom como “uma das mais audaciosas tentativas dos radicais petistas de impor a mordaça aos veículos de comunicação que não se alinham ao lulopetismo”, o Estadão acrescenta que “o PT não toma jeito e continua insistindo, contra a opinião também de seu maior aliado no governo, o PMDB”, lembrando ainda que a presidenta Dilma Rousseff “engavetou” o projeto de regulamentação formulado pelo então ministro Franklin Martins.

Outra crítica partiu do indefectível filósofo Denis Lerrer Rosenfield, fiel porta-voz do oligopólio da mídia, que publicou em O Globo de 11/3 artigo cujo título é bastante sintomático, “Afinal, o PT é governo ou oposição?”, revelando assim seu desconforto com a tomada de posição do Diretório Nacional.

Curiosamente, após admitir “a necessidade de uma modernização do marco regulatório nacional, pois a nossa legislação, em vários aspectos, é anterior à introdução da internet”, mas fazendo questão de ressaltar que se trata, a seu ver, de “uma regulamentação formal, que nada tem a ver com qualquer tipo de regulamentação do conteúdo jornalístico”, Rosenfield chega ao clímax de seu artigo: “Ora, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, tem conduzido esse processo de maneira exemplar, com isenção e competência, procurando, inclusive, oferecer para os próximos anos, para todos os brasileiros, uma internet veloz e barata”.

“Incompreensível”

Finalmente, o próprio ministro das Comunicações saiu a campo para atacar a resolução do DNPT. “É incompreensível que um partido que está há dez anos no governo seja contra a desoneração e critique o nosso esforço para baixar impostos. Será que o PT acha que são as teles que pagam esse imposto? O custo é alto e quem paga é o consumidor”, declarou ao Estadão o filiado petista Paulo Bernardo, conforme a edição de 20/3 do jornal. “Alguns militantes nossos misturam regulação da mídia com investimentos em telecomunicações. Isso não pode acontecer. São assuntos separados”.

Ao tentar explicar a essência do marco regulatório, e depois de esclarecer corretamente que ela nada tem a ver com censura, o ministro disse o seguinte: “O que não pode é ter discriminação. Além disso, precisamos de um conteúdo regional na programação. Não é fácil regular isso”.

Nota-se portanto que a tal “resolução para inglês ver” do DNPT acabou incomodando certos interesses e visões, claramente expressos nos textos citados, publicados nos jornais da mídia comercial, hegemônica, que grosso modo, não por coincidência, defendem a política adotada pelo governo!

A novidade está na retórica do ministro Paulo Bernardo. Ele deveria saber que já não é mais possível, no mundo da convergência digital, discutir mídia sem discutir as “teles” (interessadas também, diga-se de passagem, em produzir conteúdo). Embora ofereçam atualmente um péssimo serviço, elas serão beneficiadas com desonerações e isenções. O plano atual do MinCom não assegura Banda Larga universal e com qualidade, tal como preconizado pela Confecom. Para estender esse direito a todos os brasileiros, o melhor caminho seria recuperar e revitalizar a Telebrás. O ministro preferiu enfraquecer a estatal e apostar suas fichas no setor privado.

Mas o que é “incompreensível”, mesmo, e inaceitável, é recuar na regulação da mídia, postergando para um futuro incerto o marco regulatório. Ao declarar a O Estado de S. Paulo que “não é fácil regular”, e ao reduzir a regulação apenas às questões de combate à discriminação e de estímulo à diversidade regional, o ministro mostra desconhecer as deliberações da Confecom e as reivindicações dos movimentos sociais.

Será que ele ignora que o sistema de mídia brasileiro é oligopolizado, altamente concentrado tanto verticalmente quanto horizontalmente, e totalmente voltado à obtenção de lucros, em detrimento de suas funções sociais? Que fere vários dispositivos da Constituição Federal? E que, como diz a resolução aprovada, é um obstáculo à transformação da realidade nacional? Na Inglaterra a mídia está sendo regulamentada. Por que é que no Brasil não pode, companheiro Paulo Bernardo?

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